Tenho tido muita reserva em fazer comentários sobre o movimento da Cultura Tradicional, tendo em conta as responsabilidades que assumi de representação de várias instituições onde o pensamento é diverso e que devo respeitar. Defendo que deve ser dentro do movimento que devemos conversar sobre o que é a tradição e como a podemos projetar para o futuro, conhecendo o que tem sido a sua natural evolução, já de séculos.
Reconheço que, mesmo nas várias instituições, por vezes é difícil encontrar pontos de consenso, por falta de diálogo, mas temos procurado, e com algum sucesso, combater esta forma de estar pela organização de atividades conjuntas, reflexões, etc.
Viana tem valores únicos no seu trajar. Não é por acaso que o traje à Vianesa é considerado um traje vivo. Esse reconhecimento é regional, nacional e até internacional. No entanto, dentro do próprio movimento há organismos, como a Federação Portuguesa de Folclore, que o querem aprisionar num determinado tempo e espaço, decretando normas para tudo e para todos, coisa que nem António Ferro se atreveu, socorrendo-se para tal implementação de “agentes”/”polícias”/”inspetores” das associações. Os exemplos são abundantes e tudo é feito no sentido de uniformizar o movimento dentro de parâmetros e épocas por eles balizadas e depois decretadas, esquecendo-se que a tradição só terá futuro se for experienciada, sentida e vivida pelas atuais gerações.
Esta reflexão também vem a propósito de uma notícia publicada no JN e largamente difundida pelas novas tecnologias onde se vê decretado que as Mordomas no Desfile da Mordomia não podem ser mais de 800. Os motivos são: “para ser possível a organização do desfile pelas ruas da cidade (…) pensando também em quem o vem ver”. Tendo em conta os números do Cortejo, por exemplo, não se compreende tal situação. Porquê 800?
No entanto, o que mais chama à atenção de quem lê a notícia é um comerciante do ramo de ourivesaria dizer que cada Mordoma tem em média 2.5 kg de ouro ao peito e o seu valor em euros.
Quem conhece o traje e a sua história só pode ficar verdadeiramente triste com a pobreza deste olhar sobre o ourar da mulher de Viana.
Quem conhece a história dos trajes nunca cairá neste exagero, até porque as peças que usará não serão usadas pelo peso real que têm, mas sim pelo seu valor simbólico. Importa a história da peça, o simbolismo por trás de a usar e nunca os quilos que tem. Também, no artigo, são mencionados trajes de noiva como constantes da Mordomia o que não faz nenhum sentido.
Por favor, não confundam mais as pessoas com este falso novo-riquismo. Não seria mais interessante explicar a razão das mulheres usarem o ouro, e certas peças e não outras, ou a forma simbólica como eram usadas?
Bom senso precisa-se.
Alberto Rego
Presidente da Associação de Grupos Folclóricos do Alto Minho