Na sua juventude, antes de ser poeta famoso, Abílio Guerra Junqueiro, então com 25 anos, colaborou com Rafael Bordalo Pinheiro no seu jornal A Lanterna Mágica.
Bordalo, iniciava a sua carreira de cartoonista e, depois de alguns livros de caricaturas, arriscava o lançamento de um jornal, onde juntava aos seus desenhos os textos de grandes escritores. Foi assim que juntou Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo, sob o pseudónimo de Gil Vaz.
A Lanterna Mágica comentava o quotidiano com humor. Lembro uma das colaborações, no segundo número, de 22 de Maio de 1875, dedicado à inauguração da linha ferroviária do Minho, para a qual Bordalo desenhou uma divertida locomotiva que apenas se movia por ser carregada a ombros pelas autoridades, acompanhada por um poema de Guerra Junqueiro, A bênção da locomotiva. Este poema viria a integrar um dos seus livros mais contundentes, A Velhice do Padre Eterno, mostrando como o humor pode ser uma ferramenta aguçada de critica.
O jornal teve vida curta, pois Bordalo foi convidado a ir trabalhar para o Brasil, só regressando a Portugal em 1879, onde continuou a editar jornais (O António Maria e, depois, o Pontos nos ii). Pelo meio fundou ainda a Fábrica de Faiança das Caldas da Rainha. Também Junqueiro seguiu a sua vida e, depois de uma passagem por Angra do Heroísmo, em 1879 veio para Viana, onde foi secretário do Governo Civil e, mais tarde, deputado. Foi aqui que escreveu alguns dos seus poemas mais conhecidos.
Anos mais tarde, em outubro de 1887, quando ambos tinham atingido um lugar proeminente na vida cultural portuguesa, o rei D. Luís decidiu visitar o Norte de Portugal, utilizando a mesma linha de comboio a que o jornal se referira 12 anos antes.
Junqueiro vivia em Viana e Bordalo foi convidado, enquanto jornalista, a integrar a comitiva, como nos diz a revista O Occidente de 11 de Dezembro a propósito de um banquete de homenagem ao rei: “Depois da família real se levantar, trocaram-se diversos brindes, entre os quais à imprensa de Lisboa e do Porto e ao notável caricaturista Bordallo Pinheiro, que também estava presente”.
Bordalo fez dois desenhos no seu jornal Pontos nos ii desta visita a Viana. A 31 de outubro representou em dupla página vários aspetos do grande acontecimento: os palanques onde o rei foi recebido, o lançamento da primeira pedra do porto de mar, a sala onde decorreu o banquete oficial e um “grupo de mulheres de Vianna lançando flores sobre suas majestades”, com uma interessante representação do traje à vianense. No canto inferior direito, Bordalo autorrepresenta-se a cumprimentar várias personalidades, com a legenda “Os nossos mais cordeais agradecimentos aos membros da camara municipal e a muitos dos munícipes pela afabilidade com que nos receberam”. Estas personagens foram identificadas por Julieta Ferrão num artigo para o Arquivo de Vianna do Castello, são eles: Ernesto Goes Pinto, director das Obras Públicas e deputado por Viana, João Martins Viana Júnior, vereador da Câmara, Ribeiro Arthur, o conselheiro Alberto da Rocha Páris, Governador Civil, Manuel Joaquim Gonçalves Araújo e também Guerra Junqueiro, ainda sem a barba que se tornaria a sua imagem, a quem Bordalo está a apertar a mão ( vol I, nº 10. Outubro 1934).
No número seguinte, de 5 de Novembro, publica um desenho com a legenda “De Vianna, em aditamento, este retalho da casa de Guerra Junqueiro, o poeta exímio e o cavaqueador inimitável”, onde vemos Junqueiro sentado em sua casa, rodeado de antiguidades, num interessante registo da faceta de coleccionador do poeta.
Foi, pois, um reencontro feliz, aqui em Viana destes dois homens que se admiravam e que Bordalo fez questão de assinalar nas páginas do seu jornal.
João Alpuim Botelho
* Director do Museu Bordalo Pinheiro