Guerra Junqueiro publica o poema A Marcha do Ódio, em 1890, com música de Miguel Ângelo e desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Possivelmente nesse ano ou no ano anterior, o poeta escreve de Viana do Castelo, ao seu amigo Bordalo uma carta, com duas páginas, em que lhe pede “rapidamente dois desenhos para o folheto”, dando-lhe instruções pormenorizadas sobre o que pretendia, com o que Rafael Bordalo Pinheiro vai anuir.
No início da carta, Guerra Junqueiro começa por referir o título de um livro, “O Portugal no Calvario”, dizendo que “não estará concluido antes de mez e meio ou dois meses”. Essa obra seria posteriormente editada com um título diferente, A Pátria. No final da missiva refere “Fialho”, ou seja, o escritor Fialho de Almeida, autor de vários livros, entre eles, Os Gatos.
Transcreve-se a carta na sua grafia original, a sua reprodução e os dois desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro que surgem na primeira edição de A Marcha do Ódio:
Meu caro amigo:
O Portugal no Calvario não estará concluido antes de mez e meio ou dois meses. Desde que d’ahi sahi não adiantei mais um unico verso. Estou a embeber-me, a saturar-me de plena epopeia portuguesa, lendo diariamente os Lusiadas, as Décadas, a Historia trágico-marítima. Depois rimarei a obra d’um só jacto em 2 ou 3 semanas.
O Costa Santos vae editar a Marcha do odio, com a musica. Os versos aparecem primeiro no numero unico dos academicos de Coimbra.
É necessario que você rapidamente craione dois desenhos para o folheto. O primeiro em en-tete e o segundo para a ultima pagina. Vae incluso o papel em que a Marcha do odio vem impressa, com os espaços marcados para os desenhos. O último será extrahido d’estes versos finaes.
Odio bradando, – inútil brado! –
Como uma cruz n’um descampado
Como um punhal n’um coração!
Devem representar uma imensa e desolada charneca, e n’ella uma cruz sinistra das que assinalam homicidios, um cavalo por terra, e um velho cavaleiro morto (Portugal) com uma adaga enterrada no coração. Por cima, farejando, abutres e gaviões.
O en-tête, o mesmo cavaleiro, de madrugada, na sua armadura d’aço, soberbo e resplandecente, soprando com furia leonina um clarim de guerra…
Desenho simples e brutal a traços inspirados e violentos.
Pontos nos i i magnificos. Recomende-me ao Fialho. A ultima parte dos Gatos é mais do que boa literatura, é um bello açoite.
Com estima, V. do C. 2.
Guerra Junqueiro
António Barroso