Há décadas atrás, não muitas, falar disto (filho de pai incógnito, ilegítimo, bastardo), era, no mínimo, um insulto para a mãe e para o filho e, se isso correspondesse à verdade (tinha de corresponder, pois as comunidades rurais ou mesmo urbanas apreciavam escândalos e “pecados” deste género … ), a Mãe, ou por ser muito jovem, ou muito ingénua, ou “libertina” por força da natureza, era completamente desconsiderada, classificada como a maior pecadora lá do sítio e haveria de carregar esse estigma toda a vida. Ela e o filho. A realidade era, porém, diferente. Se houvesse culpas a atribuir (e haveria com certeza) eram exclusivamente ao homem, muitas vezes violador ou estuprador, e a maior parte das vezes proveniente das altas classes (ricos burgueses, sedutores fidalgos e marialvas, manhosos clérigos). Se e quando eu tiver tempo, hei de desenterrar casos muito curiosos. Na atualidade, felizmente, quer os movimentos feministas quer o Papa Francisco (“não há mães solteiras, há Mães” – disse o Papa) vêm doutrinando o Povo em geral com outros valores mais próximos da realidade e da vida.
Mas, na verdade, o que profundamente me inquieta, desde há semanas, e me tem deixado muito angustiado, é uma frase, do mais inteligente que se possa imaginar, do nosso compatriota e contemporâneo, o escritor Fernando Pessoa. Ei-la: “Pensar em Deus é desobedecer a Deus. Porque Deus quis que O não conhecêssemos. Por isso se nos não mostrou”. Volte a ler, caro leitor. Muito devagar, palavra a palavra. No fim, faça silêncio demorado. É uma frase sublime e de enorme inteligência. Na realidade, qual o seu significado? Que Deus, em existindo, é o único responsável pelo ateísmo, pela incredulidade, pela falta de fé…
E mais: sendo considerada pelas religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) a existência de um só Deus Criador absoluto (do Universo, da Terra, de todos os seres vivos e, claro, da humanidade pensante), ou seja, um PAI criador, as suas criaturas acabam por ser mais santas que o próprio Criador, pois não se vê, neste mundo e na generalidade, um pai que não esteja presente na vida de qualquer filho, com quem se alegra e convive em pleno amor. Por meio da natureza e das suas leis universais, um pai humano (pai ou mãe) é um ser afetuoso, protetor, presente nos momentos bons e maus dos seus filhos.
Para um crente (reduzamos as crenças ao cristianismo para facilitar esta exposição de ideias) ninguém contestou a opinião do discípulo dileto de Jesus Cristo, o apóstolo e evangelista S. João, cuja morte se celebra a 27 de Dezembro, afirma, logo ao abrir o seu evangelho: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único que está no seio do Pai é que O deu a conhecer” – João, 1 – 18.
É certo que jamais alguém provou, com argumentos humanamente inteligíveis, que Deus existe, mas também o inverso é verdadeiro: a inexistência divina não se presume, prova-se e ninguém conseguiu provar isso, até ao momento. Tudo isto é, pois, uma questão de Fé.
No nosso pensamento nasce, por vezes, esta dúvida: Deus é o Criador todo poderoso ou a criatura? Foi Deus que nos criou ou foi a nossa fragilidade humana que fantasiou a existência de um Ser Supremo, um Pai autêntico, que nos protege de todos os ataques, inclusivé – na própria linguagem religiosa – do Demónio, esse outro ser superior representante do Mal absoluto?
Deus é um pai incógnito ou um pai ausente? De acordo com dois dos evangelhos canónicos (o de Mateus e o de Marcos) pode concluir-se que Deus, em relação ao seu filho amado, Jesus Cristo, foi um Pai ausente. É o próprio Jesus Cristo quem, muito perto da morte, clama num grito de revolta ou de desilusão: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Abandono, afastamento, deserção. Que ser humano, que pai, seria capaz de não estar presente numa situação destas por parte dum filho? Nem aquele Pai bíblico perante o seu filho pródigo…