A “Tia Quinhas” (vulgo Maria da Mela) foi uma das figuras mais típicas e alegres que tive o prazer de conhecer. Trajando sempre de escuro, saia blusa e lenço na cabeça, não enjeitava típico avental da época.
Viúva desde muito nova, com uma vida humilde quase sempre atribulada, casou-se mais tarde em segundas núpcias, vindo, entretanto, a ser acarinhada por meus pais numa das nossas casitas contíguas à casa principal, onde todos vivíamos e aí acabou por ficar desde os anos cinquenta/sessenta, quando todos emigramos para França. Éramos, eu e meus irmãos, ainda muito novos.
O seu meio de subsistência consistia na venda de tremoços, que “curava” bem escondidos num recanto do rio dos Reis Magos, e depois comercializava, bem como doces e fruta que também vendia no mercado de Viana e nas feiras de Ponte de Lima, dos Arcos de Valdevez, de Barcelos e de Barroselas. Era vê-la carregar com o cesto ou alguidar à cabeça para cima da camioneta de meu tio Alípio, taxista que – na época transportava todos aqueles comerciantes, lá da terra (das Neves), para as feiras mais próximas —, certo dia, acabou por ter uma morte trágica quando regressava de Fátima com clientes!
“Tia Quinhas”, sempre muito humilde como a conhecemos, tinha sempre quando a visitávamos um petisco, fosse feijoada ou cozido à portuguesa ou, mesmo, uma sopa que muito bem sabia fazer e quanto apetitosa era!… Deliciava-nos e fazia questão que se almoçasse ou jantasse com ela, sob pena de a desconsiderarmos, para além dos seus parcos recursos financeiros. A “Tia Quinhas” lá ia ajudando a minha saudosa mãe, socorrendo-nos com fruta e outras coisas que às vezes lhe sobravam, ou então guardava para nos prendar. Porque também não havia fartura na nossa casa!
Não esquecia os seus meninos. Era assim que ela nos tratava a todos. Ajudou sempre a nossa progenitora em todas as lides caseiras e muitas vezes meu pai. Foram vários anos de sacrifício e paciência. Meu pai, na altura, padecia de tuberculose.
“Tia Quinhas”, que vivia só, mais tarde conheceu o Abel Rocha, empregado do Sr. Aníbal caixeiro, com quem veio a casar-se. O casamento foi então celebrado pelo padre da freguesia de Mujães, Lopes Vilaverde.
Homens casados e já com filhos crescidos, não deixamos de ser os seus meninos. Posteriormente, esta nossa querida amiga de sempre, veio a falecer. Teve um ataque cardíaco e deixou-nos uma grande saudade que, ainda hoje se manifesta e nos faz lembrar, para além da nossa juventude, como se fosse a nossa extremosa mãe.
Recordo tardes e fins-de-semana, em que ela nos alegrava a todos, quando nos juntávamos a petiscar no terraço de nossa casa das Neves, sobretudo no Verão e com a nossa mãe ainda entre nós sempre alegre e bem-disposta. Peripécias que não são fáceis de esquecer para quem as viveu. “Tia Quinhas”, por tudo o que nos fez, está ainda presente na nossa memória.
Não a esqueceremos como fosse nossa família. Sempre que podemos vamos visitá-la ao cemitério de Barroselas, porque sempre foi uma segunda mãe, tanto para nós como para os nossos filhos. À “Tia Quinhas” — que recordamos com muito carinho, admiração e respeito —, aqui deixamos esta simples memória de saudade.
Leandro Matos
(Ilustração: “Vendedeira de tremoços – CINTRASEUPOVO”)