II – O uso demasiado do inglês na nossa língua em situações que nos parecem escusadas

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José Teixeira Cruz

O nosso idioma aproxima-nos como comunidade e cumpre valorizá-lo como língua de ciência, com um passado cultural que nos distingue individual e coletivamente (Confª. XXVII Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa – Campinas Brasil, 2015).

Uma língua está sujeita a evoluções, influenciando outras e sendo igualmente influenciada. A língua portuguesa é abundante e flexível, conseguindo, em muitos casos, integrar no seu seio o equivalente nacional de estrangeirismos através do seu aportuguesamento, ou, se não for possível e não houver termo na nossa língua, na construção de um neologismo aportuguesado. Para apresentar um exemplo simples, nós não dizemos London, em inglês, mas sim Londres; o mesmo acontece com Nova Iorque em vez de New York. É certo que, em situações muito específicas, pode haver necessidade de integração natural de uma palavra aceite internacionalmente e que corresponda a uma inópia cultural.

Atualmente há um predomínio do inglês na nossa língua. É certo que esse predomínio na ciência resulta de vários fatores políticos, económicos, sociais, históricos e outros, como o financiamento da investigação realizada em Portugal proveniente de fundos internacionais, sobretudo desde a adesão à União Europeia (UE). Muitas revistas importantes de acontecimentos científicos têm o inglês como língua de trabalho, pelo que um investigador ou professor universitário tem mais probabilidades de ver o seu trabalho apreciado se o escrever em inglês; a atração de estudantes estrangeiros que procuram competir num mundo muito qualificado e cada vez mais global, etc. Esta prática, embora sendo benéfica para a internacionalização do nosso país, também tem os seus inconvenientes. São muitas as palavras inglesas que se estão a usar na nossa língua sem qualquer necessidade. Alguns exemplos: boom, bullying, coach, fake news, full time, “hat-trick da goleada”, lay-off, output, password, os “plays offs da época”, ranking, task-force, timing, welcome, entre outras. A televisão também incrementa algum uso de estrangeirismos, como quando é referida a “Nova plataforma de Streaming”, o “HUB do conhecimento” e até em certos programas de entretenimento com nomes ingleses, como “Got Talent” e “The Voice Kids”. Porém, há situações agradáveis que importa destacar, como os programas da TV-1 sobre a defesa da língua: lição de «Bom Português» e «Cuidado com a Língua», e no canal TV-2 o programa «Falar, Falar Bem, Falar Melhor».

Segundo Gabriel Tarde, na teoria da imitação, ” todas as similitudes são devidas a repetições. A repetição é a lei do mundo: … no mundo psicológico, é a imitação. O indivíduo imita-se primeiro a si mesmo nos hábitos e na memória, em que ele repete o seu passado. Depois, imita os outros, e é então que penetra no terreno psicológico. …. A imitação obedece a duas espécies de leis, umas lógicas e outras extra-lógicas. As causas lógicas são as que atuam quando a inovação é escolhida por ter sido considerada útil. Mas é raro que elas intervenham em toda a sua pureza…… Quanto às influências extra-lógicas, que são as mais frequentes, elas obedecem a leis precisas: 1.º) A imitação caminha no homem de dentro para fora; o que se propaga primeiro é o espírito de uma religião, antes de se propagarem os seus ritos…..; 2.º) e há sempre imitação do superior pelo inferior: no antigo regime, a província imita o rei e a corte; os camponeses imitam a nobreza e os burgueses bem instalados na vida…”

A imitação explicaria assim tudo no domínio social: a Opinião, o Hábito e a Moda, as transformações das Línguas e das Religiões, as do Poder e do Direito, as da vida económica, da Moralidade e da Arte (Armand Cuvillier – Manual de Sociologia, volume I, págs. 205-211).

A língua portuguesa é a terceira língua europeia mais falada no mundo e a quinta a nível mundial, estando difundida pelos cinco continentes. Porém, há quem utilize termos em inglês, na linguagem corrente, talvez por snobismo, subserviência ou outra razão. O que diria o Padre António Vieira, a quem Fernando Pessoa chamou o “imperador da língua portuguesa” (Mensagem, págs. 78), se vivesse neste tempo? Com tanto estrangeirismo abusivamente utilizado na nossa língua e uma formação escolar que por vezes peca por uma cultura de facilitismo em vez de uma cultura de exigência que, em nossa opinião, é muito melhor para a vida futura dos estudantes que seguem o ensino superior ou uma profissão, certamente que o “imperador da língua portuguesa” sentiria muita tristeza. Parece-nos de interesse refletir sobre a opinião de José Saramago nas Ciberdúvidas já citadas e no ensaio sobre “O Ensino do Português” da professora Maria do Carmo Vieira, que não vamos aqui comentar.

Concordamos com o que José Saramago escreveu nas Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: «a frente principal da luta pela sobrevivência da língua portuguesa está no próprio país de origem. Se nele se perder, há muitas probabilidades de que venha a perder-se nos outros lugares do mundo que a falam».

Continua

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