Memórias de vida (5)

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Expor a vida atribulada de um emigrante vianense é um privilégio só possível através da nossa querida Aurora, daí a minha gratidão a este nosso jornal que tanto se identifica com as raízes do povo do Alto Minho e particularmente das gentes de Viana. No meu anterior artigo, tinha feito a promessa de falar da minha vida universitária, do caminho de um “velho estudante” no seio de uma juventude cujas preocupações se encontravam nos “antípodas” das minhas. A minha idade e a minha situação familiar obrigavam-me, “Ipso facto”, a pensar e a agir de forma madura, para concretizar o sonho de juntar aos dois anos de solicitador mais quatro e assim obter uma licenciatura em direito.  Mas devo referir, mais uma vez, que sem a compreensão da minha esposa e filhos esta aventura, há tanto tempo amadurecida, não seria possível.

Tudo começou bem no 2° ano da minha licenciatura, particularmente com melhor compreensão da terminologia jurídica. E melhor ainda quando obtive a passagem para o ano imediato, que considero como um “milagre”! Na minha vida, sou mais “cartesiano”, pertenço mais ao sistema de “Descartes”. Segundo as regras de atribuição de bolsas de estudos aos estudantes de mérito, o ministério decidiu atribuir-me uma bolsa de 2.000 francos mensais, com a única obrigação de não perder ano nenhum e manter as minhas notas a uma média superior a 10. Um milagre, repito. Nessa altura, trabalhava como diretor adjunto numa companhia de seguros, na “A Orleanaise”, e o meu salário era de 1.100 francos por mês.

Assim começaram os meus estudos de advocacia. A partir do 3.° ano, nessa altura, podíamo-nos escrever no curso de preparação para advogado. Fui o que fiz. Transitei para o 4° e passei todas a provas exigidas para exercer a advocacia. Quando fui à secretaria para tratar do último exame, de cultura geral, a Diretora da secretaria, que bem conhecia, diz-me: Carlos dos Reis, para exercer, você deve ter a nacionalidade francesa e ainda não a tem. Um banho de água fria, um terramoto. A minha nacionalidade francesa só a pude obter porque a minha esposa era francesa, dado ter duas crianças, que, segundo o código francês da nacionalidade, eram francesas. Os filhos nascidos de um casal em que um deles é francês, terão todos que ter essa nacionalidade. Julgo importante referir que o governo de França me recusou a naturalização duas vezes, com o argumento da concorrência que poderia fazer aos intelectuais franceses. Nessa altura, ser operário de construção civil era o prevalecente.

Estamos, então, em 1975. Na expectativa do decreto de naturalização, o meu professor, já citado nos anteriores artigos, M. Albou, magistrado e Presidente do Supremo Tribunal, numa Assembleia Geral da Magistratura, nomeou-me Perito Judicial, com formação de advogado. Formado em direito, uma nova vida e novas responsabilidades. A primeira função, o primeiro emprego que tive após a licenciatura, foi no Ministério das Finanças em Paris. Nessa cidade fiquei 9 meses, depois de ter passado por um concurso obrigatório para ser titular do emprego de jurista que ocupava. Um emprego de rigor e de responsabilidade. Na minha secção eramos 8 juristas, 4 mulheres e 4 homens, proporcionando-me um contacto com 7 juristas de elevado nível profissional, “um luxo”, na minha condição de jovem licenciado. 

No próximo e último artigo (6º), acabarei a descriminar a minha “odisseia”, uma viagem cheia de aventuras. Ao longo de todos estes anos, fui construindo o esqueleto daquilo que, despretenciosamente, defino como as minhas pequenas memórias. Assim foi e vai sendo a minha vida.

 

Carlos Reis

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