Em 1974, na euforia da revolução, numa das tantas sessões de esclarecimento em que o tempo era fértil, alguém da agitada plateia alvitrou a solução para acabar com a pobreza: “retire-se o dinheiro aos ricos e faça-se a sua distribuição pelos pobres”. Pedagogicamente, foi-lhe respondido que o dinheiro das grandes fortunas, equitativamente distribuído, não daria mais que tostões a cada um dos muitos pobres existentes. “Com esta medida, cresceria a pobreza por não haver meios para o desenvolvimento do país. O que é preciso é criar riqueza, a tal que não criamos nos 48 anos de poder do Estado Novo”, acrescentou ainda o orador.
Felizmente, Portugal fez o seu caminho: foi-se desenvolvendo e hoje tem uma democracia afirmada. Recentemente, Henrique Monteiro, insuspeito de simpatias por partidos de esquerda, numa das suas habituais colunas no jornal “expresso”, depois de fazer uma radiografia do antes e pós-revolução, acaba a dizer que, fazendo comparações, hoje temos o paraíso, subentendendo-se que, antes, tínhamos o inferno. Está tudo dito.
Mas há culturas que teimamos em preservar. Estamos em período pré-eleitoral. Por essa razão, já neste espaço alertamos para a necessidade de se fazer uma campanha eleitoral limpa e esclarecedora, falando de projetos e objetivos. No entanto, já é evidente, com o maior despudor, promete-se este e o outro mundo. Bem podia a campanha eleitoral ficar reduzida ao slogan “peça que a gente dá”. E se alguém pergunta com que meios, também pode utilizar-se o mote do “depois se verá”.
Qualquer cidadão minimamente esclarecido sabe das limitações que temos: baixos recursos naturais e baixa produtividade no contexto europeu; uma população envelhecida e necessitada de cuidados especiais; uma Segurança Social (o socorro da terceira idade) equilibrada com recurso à imigração, já que o índice de natalidade do país está abaixo das necessidades; uma dívida pública que, mesmo em melhoria, ainda é muito elevada para a nossa economia; e que, apesar do muito que se evoluiu, ainda há problemas básicos por resolver em muitos regiões, até no plano do saneamento básico. Para fechar o retrato, falta-nos autonomia e ainda temos imensa dependência do exterior; daí pouco defendidos de crises mundiais.
Sabemos de tudo isso, mas tudo nos é prometido numa deplorável caça ao voto, que faz corar quem ainda é capaz de se envergonhar. Também sabemos que as eleições nunca foram oportunidade para esclarecimentos, mas já era tempo de o fazer, até com exemplos como o que aconteceu há 50 anos e que acima damos a conhecer.
GFM