O Gil Eannes regressou há 25 anos

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Defensor Moura

O nosso tão amado navio hospital iniciou há um quarto de século a última etapa da sua vida, quando regressou a Viana do Castelo e se transformou num símbolo vivo da excelência da construção naval vianense e da corajosa e sacrificada saga dos mareantes portugueses nas águas geladas do Atlântico Norte.

Construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo em 1952-1955, o Gil Eannes foi durante cerca de duas décadas o navio hospital de apoio à frota bacalhoeira nacional, tendo prestado assistência médico-cirúrgica a milhares de tripulantes e pescadores dos barcos da pesca do bacalhau, realizando anualmente quatro a cinco mil consultas e sessenta a setenta grandes intervenções cirúrgicas e tratando em regime de internamento cerca de quatrocentos mareantes doentes ou acidentados na dura faina pesqueira.

No navio hospital foram salvas milhares de vidas e, por isso, as gentes do mar têm tão boas recordações e amam tanto o Gil Eannes, mas o emblemático navio prestou muitas outras funções de apoio aos navios bacalhoeiros e aos seus tripulantes e pescadores, transportando o tão desejado correio e alimentos frescos nos seus porões refrigerados, funcionando como quebra gelos e rebocador para salvar navios encalhados nos mares gelados com avarias de motor ou do leme, além de ser o navio capitania de toda a frota e, tendo um capela e um sacerdote na tripulação, prestar assistência religiosa aos sacrificados mareantes, roídos pelas saudades da família.

E para executar tão variadas e complexas funções, a construção do Gil Eannes exigiu um extraordinário esforço de qualificações aos técnicos e operários dos nossos Estaleiros Navais, representando um enorme salto qualitativo da capacidade da empresa vianense que com esta obra (nº15) conquistou assinalável prestígio no difícil e competitivo meio da construção naval. 

Com a progressiva desactivação da frota bacalhoeira, o Gil Eannes ainda realizou algumas viagens de transporte geral e acabou acostado nos cais de Lisboa, onde esteve mais de uma década praticamente abandonado até ser comprado por um sucateiro de Alhos Vedros, no início de 1997, para ser desmantelado.

Tive um sobressalto quando vi na televisão o velho e enferrujado Gil Eannes cruzar as águas do Tejo, rumo ao estaleiro onde seria transformado em sucata!

Nem conseguia acreditar que o Anjo Branco da frota bacalhoeira tivesse tão inglório fim, depois de tantos anos de relevantes serviços prestados à comunidade piscatória e ao país.

E como o meu sobressalto foi, também, sentido pelos pescadores e tripulantes que tão gratos estavam ao navio hospital e pelos técnicos e operários dos Estaleiros Navais que tanto orgulho tinham de o ter construído, percebi que o desejo que logo começou a crescer em mim de salvar o nosso Gil Eannes e de o trazer para Viana, era partilhado por muitos vianenses e não só.

A Comissão pró Gil Eannes desencadeou uma campanha de angariação de fundos a que os vianenses responderam nas empresas, nas escolas, nas instituições e individualmente com donativos que, apesar de não chegarem para comprar o navio ao sucateiro, foram suficientes para eu demonstrar ao Primeiro Ministro António Guterres, como era grande a vontade da comunidade vianense de salvar o histórico navio hospital e “obrigá-lo” a desencadear as diligências indispensáveis para que se completasse a verba necessária para livrar o Gil Eannes da sucata.

Como então lhe disse, a brincar a sério, “quem teve a coragem de salvar as Gravuras Rupestres de Foz Côa, não pode deixar ir para a sucata um navio que é um histórico símbolo da nossa construção naval e da gesta marítima dos portugueses”.

Conseguimos (!) e nunca mais me esqueço das lágrimas de alegria dos numerosos vianenses que assistiram, a norte do cais fronteiro ao Castelo de Santiago da Barra e a sul do molhe do Cabedelo, à entrada da barra do Gil Eannes na tarde do dia 31 de Janeiro de 1998, no seu regresso definitivo à casa donde tinha partido pela primeira vez há quase quarenta e três anos.

Hoje o emblemático navio hospital é um dos museus mais visitados do país, tendo já ultrapassado largamente o milhão de visitantes que, unanimemente, ficam surpreendidos com a complexidade da construção efectuada há mais de meio século nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e elogiam a qualidade da sua reabilitação, entretanto promovida pela Fundação Gil Eannes.

A campanha de angariação de fundos para salvar o Gil Eannes da sucata foi um bom exemplo do que os vianenses conseguem concretizar quando se empenham seriamente e juntam esforços para atingir os mais difíceis objectivos. 

É com muito prazer que o recordo!

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