Confesso a minha ignorância. Quando foi colocada na Praça da República, a estátua do Caramuru e de uma mulher ao seu lado, perguntei a mim mesmo quem seria aquele sujeito para merecer tamanha honra de o terem “instalado” na Praça da República da minha querida Viana, sala de visitas da cidade. Perguntei a algumas pessoas de Viana, mas…nada, ou quase nada… Até que encontrei por um mero acaso, num alfarrabista amigo, de Lisboa, um livro assim intitulado: ”O CARAMURU – Aventuras Prodigiosas de um Português Colonizador do Brasil”, Adaptação em prosa de um poema épico de Frei José de Santa Rita Durão, por João de Barros, publicado por Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 5ª Edição1968. Li e adorei. Começa assim o referido livro: “ Apreciando o valor literário e cívico do «CARAMURU», poema épico de Frei José de Santa Rita Durão, escrevem Sílvio Romero e João Ribeiro, no seu «Compêndio de História da Literatura Brasileira»: «É o poema épico mais brasileiro que possuímos. Ao lado do Português aparecem nele o Índio e o Negro. O valor do «Caramuru», como produto nacional, está em ser uma espécie de resumo da vida histórica do Brasil nos três séculos em que foi colónia; está em fazer assistir à fundação da nossa antiga cidade, a velha capital, e acompanhar o crescimento da nação até quase aos nossos dias, tudo como um fenómeno natural, como um produto do solo e das três raças[1].».
Mas quem foi o fundador da cidade da Baía? (ou se quiserem, o primeiro desbravador das terras da Baía?). É o que vamos tentar ver. No capítulo “Vida do autor do Caramuru (Frei José de Santa Rita Durão), diz-se o seguinte: Em 1781 publicou o Caramuru, cuja ação, como ele mesmo explica, o descobrimento da Baía por Diogo Álvares Correia, fidalgo de Viana do Castelo”. Assim é. Diogo Álvares Correia, nasceu em Viana do Castelo em 1475 e faleceu a 5 de Outubro de 1557, na Baía, Brasil. O referido livro começa assim; “Vinha de Portugal o barco perdido nas ondas, açoutado pela fúria da tempestade, naufragando agora nas praias ignotas do Brasil. Comandava-o Diogo Álvares, português de boa raça, natural do Minho, mas homem pobre e necessitado.[2]”. Quase no final da viagem, perto da costa, uma grande tempestade se desencadeou e o seu barco afundou-se. Diogo Álvares e mais alguns marinheiros, atiraram-se à água para se salvarem, escapando ele e apenas mais seis. Azar o deles, os indígenas da praia próxima eram antropófagos…Logo ocorrem os índios à praia curiosos para verem os portugueses, de cor de pele diferente, vestuário e tudo o mais, pois nunca tinham visto nenhum europeu. “Além dos sete náufragos, já em terra, um outro de nome Sancho, mal põe o pé na areia, desmaiai. Abrira a cabeça ao nadar, chocando com uma pedra aguda. Vinha já agonizante, e breve morreria. Ai do pobre Sancho! Assim que o vêem morto, os índios –que eram antropófagos- atiram-se ao seu corpo, desmembram-no, e cevam na carne do português seu horrendo apetite. Que aflição tomou Diogo Álvares e os sete escapados às ondas! Olhavam para a turba dos selvagens cheios de medo e nojo[3]”.Fartos que estavam de comer o pobre Sancho, guardaram o receoso Diogo Álvares, mais os sete escapados das ondas numa gruta, para futuros petiscos. Diogo Álvares podia passear na praia, onde o seu navio deu à costa. Escapou-se até lá e de lá retirou a pólvora, balas e uma bela espingarda. Como estava doente (pálido, macilento, magro, arrastava-se lentamente e foi o que safou de ser comido pelos selvagens). Quando os selvagens se preparavam para os devorar, eis que surge outra tribo rival, comandada o Valoroso Sergipe, homem mais humano que tratava melhor os prisioneiros e que os levou para o sertão, onde acabaram por morrer todos. Ele, perante aquele perigo, vestiu o que tinha salvado do barco: escudo, cota, malha e capacete, espada e pólvora, espingardas e balas. Assim vestido e armado, mete temor aos selvagens comandados por Gupeva, que se prostram todos no chão e, cobardes, cheios de medo, tremem de medo. Passado o susto, tornam-se amigos. Convence o chefe índio e a sua gente a não comer carne humana. Numa caçada, Diogo dispara a sua espingarda e, além da ave atingida:” Gupeva cai também, e lê-se-lhe nos olhos que julga ter saído do bacamarte de Diogo uma trovoada tremenda…Todos tremem. Mas, logo de toda a multidão um grito uníssono sai, que se dirige a Diogo, um grito que desde logo ficou sendo o apelido de guerra do Português: – Caramuru! Caramuru! É que o nome de Caramuru davam-no os selvagens a um peixe tremelga muito grande e esguio –tal como a espingarda – cuja mordedura é perigosíssima e às vezes mortal. Esta alcunha de Caramuru foi-lhe dada, segundo consta, pelos Tupinanbás. Caramuru vai tornando-se cada vez mais poderoso e descobre, na tribo dos Tapuias: “Depois de muitos sinais e acenos de parte a parte, soube que estava entre a gente de Gupeva uma gentil mulher brasileira, que entendia o Português, por ter um dia tratado um escravo lusitano doente na ilha de Taparica. Paraguassu – assim se chamava a índia gentil – era bem diversa das mulheres daquela tribo que Diogo Álvares submetera. (…) É uma maravilha de beleza. Diogo de tal maneira se encanta ao vê-la que lhe oferece a mão de esposo[4]”. Como o artigo já vai longo…depois de batizada e casada, Paraguassu, toma o nome cristão de Catarina Álvares (que é aquela que está com o Caramuru, na estátua da Praça da República).Depois de várias guerras, e consequentes vitórias, o Caramuru (Diogo Álvares Correia) torna-se governante de vasto território na região da Baía (chamam-lhe o Príncipe do Sertão, quase Rei dos Índios), que ele dá ao Rei de Portugal. Assim foi, muito resumidamente, a história de Diogo Álvares, o filho do Trovão, o grande Caramuru –primeiro desbravador das lindas terras da Baía, um Vianense ilustre e que jamais poderá ser esquecido. Termina assim o supracitado livro: “ EPÍLOGO – Acabaram assim as aventuras de Diogo Álvares, que viveu ainda longos anos na companhia da fiel Paraguassu. Português de nascimento e fé, arreigou-se tanto prendeu-se tanto à formosa hospitaleira terra do Brasil que, realmente, não sabemos hoje se o nome de Português lhe pertence mais que o de Brasileiro, se o nome de Brasileiro lhe compete mais que o de Português. Mas as duas Pátrias estimam-se de tal modo, com afecto sempre tão forte e leal, que não importa a confusão. E, afinal, não teria sido o Caramuru, português de nascimento, logo brasileiro de alma, servindo assim, pelos seus intentos, pela sua energia, e pelo seu valor – Portugal, que tanto amamos, e o Brasil, a quem tanto queremos do fundo do coração?[5]” Agora mudaram a sua estátua para a Praia Norte[6]. Também concordo com a decisão.
Apelamos a quem de direito que, façam uma reedição deste citado livro e promovam mais estudos sobre o GRANDE CARAMURU.
[1] “O Caramuru”, página7, por João de Barros, Livraria Sá da Costa, Editora, 5ª Edição, Lisboa, 1968.
[2] – Autor e obra citada, página 13.
[3] – Autor e obra citada, página 16.
[4] Idem, páginas 44 e 45.
[5] – Autor e obra citada, páginas 157 e 158.
[6] – Também a estátua do nosso querido Fagundes foi mudada várias vezes. Parece uma sina com as estátuas em Viana.