Na vertente poente da Serra d’Arga situa-se a aldeia mais rural e mais extensa do concelho de Viana do Castelo: a Montaria.
Esta pacata aldeia, também a mais visitada do concelho, sobretudo ao fim de semana, foi em tempos, a localidade onde as construções habitacionais e as acessibilidades rurais mais a caracterizavam e onde os usos e costumes tradicionais eram uma constante.
A concertina e o dito harmónico eram os instrumentos musicais mais apreciados nos ambientes de divertimento, muitas vezes proporcionados pelas lides do campo, tais como as saudosas desfolhadas, as lides da azeitona, que sequenciavam os serões de danças e cantares nos lagares de azeite e até muitos namoriscos, que por vezes davam origem a peleias entre os pretendentes desta ou daquela moça mais cobiçada e que terminaram em casamento. Ainda hoje, os nossos pais e avós quando se referem à sua juventude relembram com saudade esses alegres e divertidos tempos.
As quadras das cantigas, que eram acompanhadas musicalmente pelos ditos instrumentos musicais, e pelos(as) demais cantantes eram quase sempre como que “recados” para a pessoa amada ou para a(s) pessoa(s) indesejada(s). Muitos desses poemas, bem como as suas composições musicais folclóricas e quase sempre improvisadas na hora eram autênticas relíquias de arte e de bem saber popular, que foram retiradas da sua origem e plagiadas noutros paradeiros folclóricos e etnográficos, como sendo de suas originalidades.
A recolha e o registo desses valores teria sido primordial para identificar as mais-valias culturais e tradicionais referentes a S. L. da Montaria. Ainda há nesta terra personalidades com conhecimento de muitas outras quadras folclóricas e que são autênticos poemas e verdadeiros tesouros de grande qualidade literária.
As festas eram animadas com os bailes das concertinas, quase sempre improvisados, onde se dançava nos mais diversos recantos, ao ar livre, nos cobertos, lagares e casas particulares, à luz da candeia de azeite e mais tarde com outros instrumentos de iluminação mais sofisticados. Só no início da década de 70 é que chegou a eletricidade pública a S. Lourenço da Montaria.
Houve também nesta aldeia uma banda musical com cerca de 50 elementos, cujos contratos de atuação se baseavam quase sempre a “pão e vinho”, porque dinheiro não havia. Só com a emigração é que algumas famílias melhoraram as suas condições de habitabilidade e vivência.
Hoje, e com tristeza, assistimos ao decréscimo populacional da nossa aldeia, que por diversas razões e de sucessivos erros governativos, tem levado os nossos conterrâneos para outras paragens citadinas e estrangeiro, em busca de uma vida melhor com melhores condições. A agricultura nos nossos minifúndios está a extinguir-se e como não sendo rentável também não permite a subsistência e a fixação das gentes à “ terra que os viu nascer” .
Ainda subsiste uma réstia de pastorícia, em cerca de três famílias, atividade que caracterizava terminantemente a nossa aldeia, pois no passado havia muitos rebanhos e eram muito poucas as residências que não tinham o seu conjunto de caprinos e bovinos. Daí a origem do famoso “cabrito da Serra d’Arga”, mais propriamente o de S. Lourenço, que é confecionado de modo diferente do das Argas, que também é muito apreciado.
No passado, havia muitos artesãos, carpinteiros, ferreiros e outros que nos deixaram algumas relíquias, sobretudo utensílios agrícolas artesanais, sendo alguns ainda hoje preservados em algumas residências de alguns proprietários mais ou menos cultos. O povo da Montaria tinha por hábito de “se bastar a si próprio” e essa era uma forma de economizarem, atendendo aos tempos difíceis de então. Tentavam a todo o custo evitar gastar os parcos centavos que amealhavam com muitos sacrifícios para uma eventual enfermidade.
Eram pessoas devotas e tementes a Deus, e respeitavam tudo o que era referente ao culto sagrado, e quando uma crise climatérica se abatia sobre a região, organizavam-se então os extintos clamores (romarias de pessoas cantando em direção às capelas ou igrejas de um determinado santo) para pedir ao sobrenatural que fizesse chover ou fazer sol, segundo as necessidades agrícolas. O cumprimento de promessas por dádivas obtidas, orando de joelhos em volta dos diversos santuários católicos, era uma constante e na Quaresma estavam terminantemente proibidas as atividades festivas, tais como bailaricos ou outras, excetuando-se os dias da “Serrada da Velha” ou “ Micarem”.
Os trabalhos de campo eram levados a bom termo e com espírito de entreajuda. As famílias organizavam-se, para se auxiliarem mutuamente em modo de permuta, para lavrar as terras, para vindimar, sachar, semear, ir ao mato, à lenha, desfolhadas, etc. Assim se patrocinava a harmonia, a união. Os sacrifícios e as alegrias eram repartidos cordialmente. Tudo se vai desvanecendo lentamente e o individualismo vai-se apoderando das nossas mentes.
A principal forma de sobrevivência era a agricultura e mais tarde a emigração e ainda nesta era contemporânea, estas atividades persistem em muitos lares, pois não há indústrias patrocinadoras de postos de trabalho nesta localidade de características tipicamente serranas.
Os moinhos de água são ainda verdadeiros ex-libris de São Lourenço da Montaria, pois eram as pequenas formas industriais de moagem movidas a água, que serviam para triturar o milho que dava origem à farinha para a saborosa broa cozida nos fornos existentes em cada habitação. Na verdade o pão elaborado com os cereais moídos a água, cozidos e confecionado de forma tradicional é de um sabor equiparável e disso ninguém terá dúvidas.
A Montaria é também dotada de um património paisagístico lindíssimo, bem como a sua imponente obra artística, que é a igreja paroquial, de estilo barroco datada do ano de 1714, de arquitetura formosa e rica em todas as suas talhas douradas repleta de peças de arte invulgar, como a azulejaria, onde qualquer visitante e amante de arte se pode deleitar, apreciando esta verdadeira relíquia deixada pelos nossos antepassados, com brio e fervor.
Existem pois muito boas razões para visitar a Montaria, uma terra que sabe bem acolher, dotada de uma excelente gastronomia, apreciável nas unidades de restauração da localidade, sobretudo por encomenda.