Na década de 1950, a freguesia de Vila Fria era tipicamente rural, as famílias viviam quase exclusivamente da agricultura, os jovens que iam estudar eram muito escassos. Não era fácil. A instrução primária, nessa época, era o limite dos estudos para a generalidade dos jovens.
Não havia transportes, todos os dias se caminhava cerca de uma hora e meia, desde Vila Fria até ao Jardim de D. Fernando onde se localizava a minha escola.
Era um percurso, que embora longo, no Inverno muitíssimo chuvoso que não tem comparação com os tempos de hoje, se fazia a pé, mas com alegria.
Nessa época, dezenas de caminhantes, das mais diversas localidades, deslocavam-se para Viana, uns para a Escola Comercial, outros para o Liceu e muitos outros para os Estaleiros Navais, Fábricas de Serração, Fábrica das boinas, Fábrica dos chocolates e para o comércio local.
Parte do percurso para os habitantes da margem esquerda do rio Lima era feito junto à linha do caminho de ferro, desde a passagem de nível junto ao cemitério de Darque até à seca do bacalhau, a partir daqui seguia-se pela ponte metálica.
Recordo que a rua Carteado Mena, em Darque, tinha diversos estabelecimentos de alimentação, imprescindíveis para a logística de centenas de pessoas que diariamente circulavam a pé nesta via.
Por vezes quando chovia muito, caminhávamos pela linha do caminho de ferro da ponte Eiffel, pelo passeio lateral, mas quando a chuva era muita por vezes fazíamos o percurso por cima das travessas para nos resguardarmos, claro que era perigoso, mas os jovens não pensam muito nisso.
Quando chegávamos às aulas estávamos encharcados, no final do dia nova encharcadela no regresso a casa. Para estudar não havia luz elétrica nas casas. A iluminação era um candeeiro a petróleo.
Os alunos das freguesias mais afastadas da cidade, tinham muitas mais dificuldade, pelos motivos referidos e acima de tudo por falta de tempo, já que três horas eram passadas no percurso, e ainda a colaboração nos trabalhos agrícolas.
Foram tempos difíceis que impossibilitou que muitos alunos progredissem, até porque não havia cantinas e as refeições tinham de ser nos poucos restaurantes e com muito parcos recursos não era fácil as famílias suportarem os encargos. Já para não falar das propinas, do custo dos livros e outro material didático.
Os operários levavam farnel e outros eram abastecidos por senhoras que transportavam diversas marmitas para os locais de trabalho.
Aos domingos, de manhã ia-se à missa e à tarde à reza. E assim eram passados os fins de semana com muitíssima monotonia.
Em 1951 chegou à freguesia o padre Albertino Pereira, jovem de 24 anos, muito dinâmico que veio substituir o padre Manuel Inácio com 68 anos e já muito debilitado.
Alterou completamente a monotonia e a inércia da freguesia, antes da reza à tarde havia um jogo de futebol na Avenida da Igreja, sempre com muita assistência. No final do jogo todos iam para a igreja, e depois da reza os jovens iam para a residência paroquial ouvir o relato de futebol. Era um benfiquista fanático.
Rapidamente constituiu um grupo de teatro muito coeso que após longos ensaios levou à cena, entre outras, duas peças que ficaram na memória de muita gente. O enxota diabos e os três malotes.
Fizeram-se muitas sessões no salão entretanto demolido, para a construção da capela mortuária, sempre com muitos espetadores. A vedeta era o Zé do Malinha, falecido em França num acidente, mas também integravam o grupo o Manuel do Casimiro, o irmão Aurélio, o Tone Barros, eu, e tantos outros que agora não me ocorre os nomes.
Foram bons tempos de grande entusiasmo da freguesia.
Posteriormente outros grupos de teatro constituíram-se, com muita dedicação e êxito, com os quais tive o gosto de colaborar, nomeadamente na logística.
Com a saída do padre Albertino, em 1957, para a freguesia de Paderne, em Melgaço, Vila Fria ficou adormecida, mas com a vinda do padre Alípio Torres, em 1962, para paroquiar a freguesia tudo se modificou para melhor. Novas dinâmicas e maior diligência, a freguesia sentiu um grande avanço na parte religiosa e lúdica e acima de tudo a mobilização, o empenho e a dedicação dos jovens nas atividades religiosas e na prática do futebol.
A si se deve a dinâmica para a construção do primeiro campo de futebol, mercê da benemérita e graciosa cedência de uma bouça junto da igreja e do cemitério, por António Francisco Miranda, sem balneários, bancadas, e vedação, mas com balizas e marcações, bastante rudimentar como o próprio refere, na monografia de Vila Fria a Terra e a Gente.
Organizou o Vila Fria Sport Club com emblema próprio, motivando inúmeros jovens a praticar futebol. Ele próprio também atleta de mérito, participou em diversos torneios de futebol, tendo recebido uma taça pela participação no torneio dos Passionistas, em 1971.
Em março de 1973 deixou a freguesia para cumprir o serviço militar em Moçambique, como capelão.
Também a si se deve a completa remodelação em 1967 e 1968 da residência paroquial a qual não oferecia as mínimas condições de salubridade.
Mas o futebol continuou, a população adora este desporto, sendo muitos os praticantes desta modalidade, que progrediram e alcançaram lugares de destaque no panorama futebolístico, graças ao padre Albertino e ao padre Alípio, dois pioneiros do futebol em Vila Fria.
O padre Alípio nunca esqueceu Vila Fria, por isso todos os dias exceto aos domingos concelebra missa à tarde com o nosso pároco, o padre Gaudêncio Gigante, continuando a ser um dedicado e incondicional adepto do nosso Vila Fria 1980.