No andar da vida, ao atentar-se em certas caminhadas decorridas poderá aflorar ao pensamento das pessoas, com mais ou menos significado, retalhos saudosos de uma canção, que continua a encerrar beleza, nostalgia e até pragmatismo… “cartas de amor quem as não tem… cartas de amor pedaços de dor sentidos de alguém”… Nos tempos idos, numa idade de passagem, mas também de ingenuidade pitoresca, onde a força, a imaginação, o querer, os sonhos, as ilusões, tudo se tornava belo, grandioso ou proibitivo, conforme as circunstâncias rotineiras do quotidiano e pouco ou nada habituados a questionar os problemas do sexo, porque era tabú, nessa altura, esta canção, aliada a diversas, por exemplo, …” marco do correio de portinha ao centro”… podia dar ou conferir, face à sensibilidade de cada um, alguma calma nas emoções ou vibrações sentimentais que iam aparecendo.
Cartas de amor são aquilo que elas encerram de lindo, de presente e de ausente, de paixão, de imaginativo, e até de simplicidade. As pessoas de antanho, onde não existiam os actuais meios de transmissão lançavam mão, por vezes, aos processos mais curiosos para dar a conhecer a sua tendência, ou afeição profunda por alguém. Alguns desses processos vieram a tornar-se excelentes documentos etnográficos e iconográficos. As primeiras cartas de amor que são conhecidas encerram manuscritos curiosíssimos da ciência que estuda as manifestações que vêm do povo. Sempre se pensou no amor e nas suas consequências positivas e negativas. Na rotina do passado ficaram assinalados, entre outros, os episódios da vida da célebre freira portuguesa Mariana Alcoforado.
As cartas de amor significam em valor etnográfico como expressões da movimentação popular da época a que pertencem, concorrendo para o conhecimento do viver desse período, na sequência dos seus costumes, das suas crenças, da maneira de exprimir os seus momentos de ternura ou de frustração, tudo ligado, muitas vezes, aos estados emocionais. Ao estudar-se a iconografia e paleografia populares constata-se que se encontram belos exemplares em todas as regiões de Portugal. São particularmente frequentes e notáveis as cartas de amor da região do Minho, talvez por ser, aqui, o povo mais rebelde às inovações, mais antigo na rotina, mais conservador e tradicionalista. A consequência desse facto pode estar ligado ao espírito da religiosidade e da superstição, conjugado com um certo cunho de fanatismo, ou de feitiçaria, atenta a mentalidade de cada personagem. A imagem simbólica, ou melhor, o seu aspecto interior ou exterior era um elemento predominante das cartas de amor, ao definir o estado da alma, as emoções, os desejos e a consciência íntima do/seu autor, porque eram dispostas duma forma especial e à maneira dos escritos mágicos ao utilizarem papel de várias cores.
Numa miragem do tempo, se as pessoas desses universos passados regressassem ao actual mundo, onde constantemente se luta por uma posição maior, recorreriam, sem dúvida, aos mais amplos meios de comunicação agora vigentes, referindo, entre outros, a internet e os telemóveis de última geração, através dos quais os seres humanos podem resolver quase todas as suas necessidades colectivas.
Nota: – Esta crónica, por vontade do autor, não segue a regra do novo acordo ortográfico.
