É vulgar ouvir dizer como facto indiscutível, que no Norte os falantes trocam os v’s pelos b’s.
Esta afirmação dá a entender que estes não obedecem à norma falante que tem como base aquilo que podemos designar de lisboetismo. Ninguém se lembra de em cerimónias públicas ou em atos de certa importância fazer uso do sotaque e da semântica nortenha.
Vamos por partes, começando por onde se deve começar: a origem da língua portuguesa. Durantes os vários séculos da ocupação romana, esta foi mais visível no norte já que os sarracenos que ocuparam a península ibérica, de certa maneira, esqueceram o centro e norte do país, naquilo que era a sua progressão invasora até e para lá do Pirenéus. Diz-nos a história que essa invasão foi travada na região situada entre o que é agora Poitiers e Tours. O feito que deu início à queda, recuo e desaparecimento do poderosíssimo império sarraceno, teve a mão do rei franco Carlos Martel (sec VIII).
Assim sendo, o latim vulgar falado pelas legiões romanas deu origem ao galego-português falado na Galécia, isto é, Galiza e Norte de Portugal (também a parte ocidental das Astúrias) ficando imune à influência árabe O galego-português era falado não só por todos os habitantes desta vasta zona, mas também pelos reis da nossa primeira dinastia e respetivas cortes.
Ora, quando a reconquista do território aos mouros se vai estendendo para sul, a capital do país muda-se para Coimbra e depois, no alvor das descobertas marítimas, para Lisboa, aqui se instalando, definitivamente, a corte. No centro e sul do país, e por várias razões que seria ocioso explicar num pequeno artigo como este, o galaico-português nunca se instalou.
Assim sendo, com a difusão dos jornais, a rádio e, posteriormente, a televisão, ainda a alfabetização escolar a partir do 25 de abril, o português que vai aparecer como norma falante é o da capital. Esta tendência cada vez mais forte, em que falar bem significa falar de acordo com a norma, conduz a uma massificação da linguagem em que os falares e os pseudo sotaques regionais, vão desaparecendo. Esta situação é ainda mais gravosa quando em alguns sketches televisivos das nossas tvs, se utiliza o falar nortenho para conotações labregas e provincianas.
Um outro problema que afeta a língua dita padrão, é o da consonantização das palavras, isto é, há a tendência para fechar as vogais, pois abrindo-as, parece falar à moda do Norte. Assim, não se diz vàcina, mas vacina, ou estàleiros por estaleiros. Também o mau uso do pretérito perfeito: deve dizer-se falàmos e não falamos, fechando o segundo a.
Outro exemplo: o nome do treinador Jorge Jesus. Aqui deparamos com uma sucessão de sibilantes que, engolindo as vogais, tornam difícil a sua enunciação. Como é que a fala brasileira elimina esta dificuldade? Alongando a vogal o de Jorge e abrindo a do outro nome que se lhe segue: Jèsus. Fica então, Jóorge Jèsus. Muito mais bonito e auditivamente mais saudável.
Tendo presente que o galaico-português começou por ser a língua oficial do reino, no limite podemos afirmar que se há sotaque ou sotaques, eles encontram-se no centro e sul.
De facto, no Norte não se trocam dos v’s pelos b’s, (é o que nos querem impingir) mas, antes pelo contrário, o som v não seu usa, tal como acontece com o castelhano. (Castelhano e não espanhol, língua esta que não existe.)
Orlando Barros