Já era conhecido, aqui e ali, o boicote ao questionário sugerido pelo Papa Francisco a todo o Povo de Deus, sobretudo aos cristãos-católicos. Esse questionário, bem simples, foi tido como a primeira auscultação promovida pela hierarquia da Igreja cristã-católica-romana a nível mundial e isso foi a única vez que foi realizado em mais de dois mil anos de história do Cristianismo: ouvir o Povo de Deus!
Acontece, porém, que a participação, em Portugal, foi reduzidíssima. E esse facto tem duas grandes razões explicativas: por um lado, confirmam-se as muitas referências escritas que têm sido feitas por vários analistas sobre a indiferença galopante dos católicos em tudo o que diz respeito à religião, com intensidades diferentes conforme os países ou os continentes, tendo-se apontado como causas próximas as posições clericais e o conservadorismo funcional da Igreja Católica. Mas houve também quem, dentro da própria Igreja, fizesse contravapor. O próprio Relatório de Portugal refere isso mesmo: “Acresce que, nalguns casos, a fraca adesão ao desafio da sinodalidade foi interpretado como uma atitude de resistência, sobretudo por parte do clero, ou de alheamento à dimensão universal abraçada pela Igreja”
Quais os fomentadores do boicote? Os ultraconservadores, ciosos do seu poder clerical e da sua autoproclamada “santidade”. Entre esses boicotadores, há que ressaltar a instituição retrógrada, elitista, soberba e autoritária que tem um nome: Opus Dei! Pratica a exclusão e a segregação e dedica-se, na esfera das atividades terrenas, a várias atividades privadas, normalmente com fins lucrativos (o ensino, por exemplo), procurando, aí, doutrinar e recrutar jovens para os seus quadros organizacionais e até, no futuro, destinados a rentáveis empresas de topo, pelo menos em alguns países. Na esfera mundana é comum comparar a “Opus Dei” à Maçonaria. Uma dedica-se, segundo a própria, à “santificação” dos seus membros – a Opus Dei – e a Maçonaria tem como lema a “ética” e a “transparência” dos negócios. Uma adora Deus e a outra confessa-se ateia ou, pelo menos, agnóstica. Como os extremos se tocam – teria dito algum filósofo – e apesar dos seus títulos, ou de santidade ou de ética, ninguém entende a razão de praticarem o segredo quase absoluto sobre si próprios ou uma discrição de quem precisa de se esconder … num país livre!
A que propósito vem esta catilinária? Como os leitores já concluíram, os dois documentos principais contra o Relatório de Portugal são provenientes da mesmíssima fonte: nada mais nada menos do que a “Opus Dei”. Quer o documento subscrito à cabeça pelo (aqui muito citado “obreiro”) Padre Gonçalo Portocarrero de Almada, conhecido membro da “Opus Dei” pelas suas posições eivadas por um conservadorismo irreal, acompanhado, inicialmente, por uma dúzia de outros subscritores, quer o outro documento, também contra o referido Relatório de Portugal sobre o Sínodo dos Bispos (2021-2023), apresentando dados claros que denunciam a mesma fonte, a Opus Dei, mas, desta vez, respeitante a organizações de juventude, com membros, formal ou informalmente, a si ligados.
Mas que tenho eu a ver, ou quem comigo concorda, com essa posição de bota-baixismo? Mas que tenho eu a ver (ou quem comigo concorda) que esse pessoal não vá à Missa do Papa Francisco? Mas que tenho eu a ver (ou quem comigo concorda) que esses e outros críticos (do Relatório) não reconheçam a atual decadência da Igreja Católica ou o comportamento escandalosamente errático de alguns clérigos, transversalmente tocando em toda a hierarquia?
Que dizem esses censores aos cerca de 20 pontos graves que o relatório de Portugal analisa? São verdadeiros? São falsos? Não é necessário renovar a Igreja Católica? No dia em que finalizo esta crónica (e no seguimento de outros dias mais com notícias do mesmo teor, infelizmente) a comunicação social transcreve uma declaração de topo, a do Bispo do Porto, referindo ser toda esta situação na Igreja um “travão na confiança” dos crentes, acabando por esvaziar os templos.
Manuel José Ribeiro