Reunia os atributos próprios do cidadão exemplar. O brio e a competência técnica no exercício da medicina oftalmológica foram as suas características maiores. Contudo, sempre entendeu que o cidadão pleno deve ir muito para além da sua função profissional, por mais que esta exija estudo, aplicação e entrega. Sousa Fernandes entendia que havia outras práticas para se completar como homem, daí que se assumisse desde bem cedo como um ser humano de causas, especialmente no plano cívico. O Estado Novo teve nele um opositor assumido, ao não recusar, por exemplo, a sua participação no III congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro entre 04 e 08 de abril de 1973, ferozmente reprimido pelas polícias de Marcelo Caetano. Aurélio Barbosa, antifascista, que foi Diretor e Administrador deste jornal, aí o conheceu e dele falava com admiração pela forma corajosa como assumia os combates pela democracia.
Sousa Fernandes definiu-se sempre como médico comunista, não recusando nenhuma das pelejas que lhe eram propostas. Disse presente na primeira manifestação de apoio ao Movimento das Forças Armadas em Viana do Castelo, imediatamente a seguir ao dia 25 de Abril de 1974, onde discursou para manifestar agradecimento a quem soube libertar o país da tirania, mas, tal como outros democratas presentes, para assumir também um espírito determinadamente combativo para que a revolução realizada fosse inteira na implementação dos elementares direitos dos portugueses. E esse foi, vincadamente, o ponto de partida para um percurso de ativa intervenção na vida democrática do país. Foi ao longo de décadas o primeiro candidato pela CDU à Assembleia Municipal de Viana do Castelo, pertenceu aos órgãos dirigentes concelhios do PCP, participou em todos os fóruns para os quais foi convidado e não recusava participar em todas as manifestações públicas a favor da defesa e aprofundamento das conquistas de Abril.
Sousa Fernandes era um Homem estruturalmente bom, solidário e amigo das pessoas. O seu consultório estava sempre aberto para atender e servir os amigos e especialmente os mais carecidos. Consultou gratuitamente centenas de pessoas, mas fazendo-o discretamente, de sorriso nos lábios e manifestações de bondade. Adorava conversar com os mais próximos sobre os caminhos da democracia e sobre os combates em defesa desta. Não cultivava o individualismo nem era menos amigo de quem não tinha opções políticas semelhantes às suas, facto bem patenteado no jantar que lhe foi promovido quando se aposentou no Hospital de Viana, já na década de 1990, no qual participaram pessoas de todas as ideologias e todos os credos. Os últimos tempos de vida foram de menor sociabilidade, apesar de ter mantido o seu consultório aberto até muitos anos depois da sua aposentação. Mas o alongamento da idade, por variadas razões, particularmente por diminuição de agilidade física, tem tendência a perturbar o quotidiano de todos nós.
Com nove décadas já bem vencidas, com uma vida assaz participada nas atividades em que melhor se sentia, Sousa Fernandes deve ter partido com a convicção de que cumpriu com a missão que entendia lhe cabia, que era a de ser suficientemente útil à comunidade em que se inseria. Fica dele a recordação do homem impoluto e sempre disponível para terceiros. Legou-nos o melhor exemplo.