Com 92 anos, no primeiro dia do corrente mês faleceu José da Silva Araújo, também conhecido por “Zé da Mena”, “Da Silva” e “Miterrand”. Zé da Mena, numa construção com dupla ‘herança’, no nome e na preocupação para com os mais carenciados; Da Silva, por ser de mais fácil pronúncia na relação do industrial competente e dinâmico em solo francês, que ‘fez escola’ entre congéneres e soube dar uma outra feição à caridade, com o apoio a quantos se aventuraram na busca de melhores dias; Miterrand, próprio de alguém a quem se reconheceu firmeza nas ideias políticas e fidelidade aos ‘compagnons de route’.
Bem cedo percebeu que o país não satisfazia a sua ambição em querer mais e melhor. O Estado Novo nada fazia para inverter a tendência. Vivia-se a ‘noite’ obscurantista, que amordaçava e reprimia, em continuada negação da dignidade do ser-se pessoa. Já então alimentava, na clandestinidade, o seu ativismo, semeando a esperança de que um dia o ‘Sol brilharia…’ Desiludido mas não vencido, partiu para França, com simbólico ‘talher’ para a vida: uma mala feita de madeira transportava ferramentas de carpinteiro. Em boa hora o fez, pois do seu triunfo saiu o crescimento e formação dos filhos (Filomena, Conceição e José), educou-se a si próprio e singrou exemplarmente, juntando à vontade de vencer a sua argúcia e aptidão. Dotado das qualidades que definem os bons arquitetos, estendeu o empreendedorismo ao domínio dessas áreas de intervenção.
E Santa Marta de Portuzelo tem a sua marca, de que colheu benefícios, na sequência da sua ação e modos de ser e estar. Muito do que fruímos a ele se deve, sendo parte, em boa medida, resultado do seu esforço para evitar conflitos. Muitos, porém, nem assim o compreenderam. E foi pena!… Homem de diálogo, de paz, amigo de fazer o bem, espírito alegre e avesso a rancores, são traços definidores de elevado caráter. «Passou-se assim» e «está o caso arrumado» eram expressões nele recorrentes, como forma de encerrar algo mais desagradável. Sobrou-lhe tempo para ser solidário e nunca recusou ofertas para diversos eventos e instituições. Pertenceu aos corpos gerentes da Associação Cultural e Desportiva e do Sport Clube Vianense.
Tudo isto justifica o agrado com que sorvemos a encantadora homenagem de alguns netos, na missa do funeral. A Alexandra foi um espelho da saudade, foi doce e foi amorosa para com o “pêpê”; o Marco enalteceu o seu ativismo nas lutas pela liberdade e a comodidade que daí retira; a Sónia adornou o seu carinho na partilha de “Le cancre”, de Jacques Prévert: «Diz não com a cabeça, mas diz sim com o coração…»; Laurent soltou os genes da responsabilidade e da justiça, cedendo ao irmão mais velho, por dar continuidade à oficina, a ‘mala (original) de ferramentas’ que o avô lhe dera; Karine, casada com Laurent, testemunhou o acolhimento da família Araújo, em França como em Portugal e ‘matou’ a saudade na partilha de “La Mort”, de Chanoine Scott Holland: «A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do caminho…» O vosso avô vive, carinhosos netos.
Não buscamos esta certeza no “Horário do Fim”, de Mia Couto, mas na fé que professamos. Já S. Paulo diz que a morte não é o fim de tudo e, na esteira do teólogo Leonardo Boff, “morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor”. É o justo prémio de quem, como “pêpê”, com as suas ações construiu o Caminho. Acreditai e vivei a esperança do encontro.
Apresentamos a familiares e amigos as nossas condolências.