A tradicional Romaria do Senhor do Cruzeiro e das Necessidades que decorre anualmente em Lanheses, no quarto domingo do mês de julho, ficou assinalada na edição deste ano pela realização de duas procissões inéditas incluídas num programa de teor estritamente religioso.
Na sexta-feira, dia 24, foi cumprida a primeira das duas manifestações externas dos atos religiosos previstos no programa da festa, com a saída em procissão do andor de Nossa Senhora de Fátima, substituindo a habitual “procissão de velas” que faz parte necessariamente do plano normal desta tradicional festividade. A formação do desfile e o itinerário escolhido foram totalmente inovadores, dado que o percurso foi feito, sem acompanhamento de participantes, e a imagem transportada em viatura automóvel de caixa aberta percorrendo todos os lugares da freguesia, cujo itinerário teve início pelas 20 horas e terminou cerca das 23h.
O dia maior da Romaria decorreu no domingo tendo sido cumprido o calendário dos atos mais significativos da natureza da celebração, com a realização da solene Eucaristia pelas 10h30, a qual decorreu sob a inclemência de um sol forte no adro da igreja junto à Capela do Senhor do Cruzeiro e das Necessidades, sendo celebrante o pároco residente da paróquia de Santa Eulália de Lanheses e S. Paio de Meixedo, padre Daniel da Silva Rodrigues.
Pelas 15 horas, foi iniciada num formato absolutamente novo, na forma e na tradição, o que se poderá identificar como peregrinação da imagem do patrono da celebração por todos os lugares da freguesia de Lanheses. Quer dizer, o Senhor das Necessidades deixou o local onde é venerado e foi Ele próprio ao encontro da comunidade visitando os moradores nos respetivos lares. Esta foi uma ação até agora nunca vista, embora na tradição oral haja registo de ter acontecido no século XIX uma procissão que levou pelas veigas de Vila Mou e de Lanheses o andor do Senhor das Necessidades numa evocação de um ato divino que pusesse fim à implacável seca que nesse ano arrasava as sementeiras do milho.
A solene comitiva estava formada em duas viaturas antigas, levando na da frente o Mordomo em exercício levantando a Cruz nobre da Confraria, seguida de outra idêntica onde estava o andor com uma imagem de pequena dimensão do Senhor das Necessidades por conveniência no transporte móvel dada a dimensão da original existente na Capela.
Na viatura seguia o pároco padre Daniel, ouvindo-se a sua voz pelo altifalante numa preleção gravada adequada à natureza do ato, sendo conduzida por um membro da Comissão de Festas, iniciando o itinerário previamente estabelecido pela rua da Estrada da Corredoura, às 15 horas.
Tendo acompanhado o desfile, numa parte substancial do seu trajeto, tive a oportunidade de constatar a impressionante adesão da comunidade lanhesense na receção da Imagem de Jesus Cristo apeado da Cruz do Martírio. Por onde andei, dezenas de moradores tratavam de enfeitar as moradias com colchas e flores e por quase todo o trajeto formavam-se tapetes com pétalas, cereais e sal colorido, ajardinavam-se locais em frente de habitações e escreviam-se saudações, e até um arco enfeitado estava preparado no confim norte da freguesia para saudar a comitiva.
Nunca, em mais de oito décadas que levo de vida, presenciei tão sentida e bela participação popular na nossa veneração ao Senhor do Cruzeiro e das Necessidades.
Já com a luz do dia a diluir-se nas sombras a ocidente, a comitiva chega pela rua da Agra à Avenida Rio Lima, no caminho do regresso. Todos os habitantes do lugar esperavam, há horas, pelo momento especial, toda a rua estava enfeitada, pronta para a passagem, num tapete formado na sua extensão maior que ocupou os voluntários em (pelo menos) dois dias de intensa atividade, suportando um calor incómodo e implacável, ninguém tendo ficado indiferente ao momento inédito, quiçá irrepetível.
Sem foguetes, bandas dispendiosas, concertos deslocalizados no espaço e no tempo, leilões, fogos-de-artifício, cabrito, farturas e cerveja q.b., ACONTECEU, sim, uma homenagem de cariz exclusivamente católico cristão ao Senhor das Necessidades.
Não rejeito a componente tradicional das romarias minhotas pelas características próprias que transportam, mas, nesta edição imprevista em que se manteve tão brilhantemente organizada a homenagem anual da freguesia de Lanheses ao Senhor do Cruzeiro e das Necessidades, melhor compreendo a expressão popular que nos ensina que “há males que vêm por bem” lembrando a maldita pandemia que a todos nos apanhou de surpresa e veio condicionar e dificultar a normalidade das nossas vidas.
Que o Senhor do Cruzeiro e das Necessidades a todos nos atenda e guarde.
Como nota final registe-se o facto de os moradores que voluntariamente se entregaram às ornamentações verticais na via pública, procederam à completa remoção dos detritos espalhados na via, logo após a passagem da comitiva.