Redescoberta a fonte do Crelo da Corredoura

Há dois meses divulguei o estado de degradação em que se encontrava a fonte do Crelo, situada no lado nascente do sopé da encosta do lugar da Corredoura, a qual se encontrava então invisível porque soterrada sob um espontâneo e espesso manto formado por juncos e vegetação diversa.

A presunção que eu havia formulado de que a fonte antiga e útil, durante muitas gerações, tinha caído no rol dos bens perdidos do património comum da freguesia, não teve concretização para o meu contentamento e daqueles que preservam os bens do passado comum, designadamente, os residentes mais idosos do lugar.

Todo o espaço da fonte foi totalmente restaurado, dando visibilidade ao conjunto dos elementos componentes da vetusta nascente do sítio do Crelo.

Não recordo como era a fonte antes de 1945. Era ainda criança, data inserida na pedra em arco da bica, inscrita por baixo da designação “Junta da Freguesia de Lanheses”, a qual foi parte recuperada da que existiu no largo da Feira, depois largo Capitão Gaspar de Castro, benemérito, juntamente com uma peanha para colocação dos cântaros, entretanto desviada para parte incerta…. Mas, guardo, na memória, as vezes que desci e subi o caminho íngreme com piso imprevisível de cerca de 300 metros, com um cântaro de barro preto sobre a cabeça atestado com água da fonte para consumo doméstico, tal como os meus irmãos e demais habitantes da zona.

Pela fotografia inserida neste texto pode refazer-se mentalmente todo o cenário do local e dos elementos principais da fonte do Crelo, onde consta o primitivo bebedouro de chafurdo, para os animais, ao lado da bica da pedra abobadada mais recente. Existe ainda um pequeno tanque perto do principal onde se lavava roupa e as crianças se banhavam. E no lado esquerdo, no patamar acima da entrada da mina donde provém a corrente da água, agora com porta e fechadura, recordo, noutros tempos, ter visto ali o que seriam trabalhos de prolongamento da mesma.

Como acontece na maioria destas nascentes, o caudal decrescia no alto verão, sendo que também a seca atingia a Fonte do Crelo, o que gerava desconforto e situações conflituosas entre os que dela se serviam, as quais nem sempre eram cordatas e moderadas. Mas, são estórias que não se enquadram no tema que está na base deste comentário.

AOS 101 ANOS, A CAROLINA DEIXOU-NOS
A caminho dos 102 anos faleceu no dia 11 de maio, na residência do lugar do Outeiro, Carolina Palma de Lima, uma figura singular que lega à comunidade lanhesense um exemplo de trabalho voluntário, dedicação e devoção por causas de interesse comum, designadamente no apoio às atividades culturais, de solidariedade e religiosas, decorrentes na freguesia, e cuja relevância prevalece na memória daqueles que a conheceram e com ela privaram.

Conheci a Carolina desde os meus primeiros anos de infância, ainda ela prestava serviço auxiliar no consultório médico do senhor Dr. Jorge Machado, a funcionar nas antigas instalações da Casa do Povo. Naquele tempo, já ela era membro preponderante no apoio ao Grupo Folclórico e à atividade do teatro amador daquela instituição, dedicando ainda muitos dos seus tempos livres ao ensino da catequese e ao grupo coral paroquial. Prestável, amável e sempre disponível, a Carolina entregava-se, por inteiro, em tudo o que se envolvia.

Há muito que vivia retirada da vida social na sua habitação, na quietude natural do lugar do Outeiro, tendo como dedicada cuidadora permanente uma vizinha pertencente a uma família das suas relações, bastante mais jovem. Pelo que se presumia comummente e a tranquila longevidade da cuidada confirma, a senhora menina Carolina gozou do fim de vida que ao longo da existência fez por merecer.

Foi sepultada no cemitério paroquial de Lanheses na quarta-feira, dia 12, pelas 16h30, após missa de corpo presente na igreja local, cumprindo as determinações legais adequadas. Que Deus a tenha no lugar que merece.

FESTA DE SANTO ANTÃO, ORAGO DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS
Lanheses tem vindo a organizar, desde um passado longínquo, uma celebração religiosa de raiz católica com componente profana, em homenagem a Santo Antão, orago dos animais, particularmente os domésticos.

A romaria realizava-se noutros tempos na quinta-feira da Ascensão, quando foi feriado nacional e dia santo, sendo ultimamente transferida para o domingo seguinte quando a data deixou de o ser.

Santo Antão, criador dos monges, é venerado numa capela pequena e singela sita no lugar de Santo Antão. O local, aprazível com vista longa no sentido dos pontos cardeais, está arborizado com algumas árvores de elevado porte, bancos de pedra e cruzeiros, com acesso por uma escadaria em pedra desde a estrada até ao cimo plano, envolvido por um muro em blocos de granito. Todo espaço é bem cuidado. Com o tempo, o local tem vindo a crescer na construção de casas de habitação.

Depois de alguns anos de interregno a festa tem decorrido ininterruptamente, desde há alguns anos a esta parte, graças a comissões compostas maioritariamente por jovens naturais do lugar, as quais procuram mantê-la no padrão tradicional.

A componente religiosa é assegurada pela realização da Eucaristia e da Bênção, própria do ritual da quinta-feira da Ascensão na igreja paroquial, seguida de uma procissão pelo percurso da Estrada da Corredoura, na distância de cerca de um quilómetro, a qual termina no recinto da capela. Aí é proferido um sermão alusivo ao orago, no decorrer do qual é dada a bênção aos animais presentes no recinto, conduzidos pelos donos com essa intenção. Atualmente em número muitíssimo reduzido. Na véspera decorre, na capela, uma missa vespertina.

A animação popular fica a cargo de um conjunto ou banda de música pop e decorre durante toda a tarde, entrando pela noite dentro, consoante a audiência e as condições atmosféricas.

As bandas de música têm atualmente encargos elevados, difíceis de obter nas coletas junto da população residente e no estrangeiro. Noutros tempos, o coreto para atuação de bandas clássicas era montado logo à entrada do lado direito do adro, com a colaboração dos mordomos e enfeitado com bucho e flores, pelas mordomas. Aí decorriam também os leilões dos tabuleiros levados à cabeça pelas mordomas, compostos por produtos caseiros de fumeiro, vinho da região e doces de preparação doméstica.

Se recuássemos no tempo, até meados do século passado, poderíamos ainda viver a verdadeira razão da festa de Santo Antão. Para além da veneração do asceta orago, constatando o considerável número de animais domésticos que ali eram levados pelos donos maioritariamente agricultores: juntas de bovinos enfeitadas com flores e as hastes luzidias com azeite. Estas eram conduzidos, à soga, por moças vestidas com o traje de lavradeiras e vindas de todos os lugares da freguesia e das localidades limítrofes. O gado equino, caprino, aves de capoeira, cães e gatos eram trazidos, como se fossem embarcar numa nova Arca de Noé. O desfile era acompanhado pelas concertinas e bombos, e ouviam-se ainda cantigas tradicionais.

Quem bem conhece as tradições da festa de Santo Antão, a qual dá início ao calendário anual das festividades em Lanheses, não pode deixar de destacar o privilégio do agora famoso sarapatel e o cabrito “à Tia Nina”, com casa antiga junto ao recinto. Esse já está consagrado como ex-libris gastronómico da festa, que ainda hoje atrai as preferências de um considerável número de apreciadores.

Noutro tempo era confecionado pela anciã santoantonense de modo tradicional. Na véspera e no próprio dia da festa abria o portal da eira da sua casa e os apreciadores regalavam-se com o saboroso pitéu.

Que Santo Antão regresse para o ano livre de pandemias e guerras cruéis.

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