ENVC – Desenlace Custa 730 milhões

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Carlos Veiga Anjos

Conforme se previa e estava há muito tempo anunciado, consumou-se no final do mês passado a extinção da empresa Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), totalizando um prejuízo para o Estado e, consequentemente, para os contribuintes portugueses, de 730 milhões de euros. É obra!…

Pensava eu que um descalabro desta dimensão entrado dos bolsos débeis de todos nós, teria um relevo correspondente na comunicação social nacional e regional, sempre atenta a este tipo de situações, mas tal não aconteceu. Infelizmente, parece já estarmos habituados a estas situações, tantos são os milhões que têm vindo ao nosso conhecimento, fruto do descabelado descontrolo de gestão e de fiscalização em algumas empresas portuguesas, com especial relevo no sector bancário,

E, como habitualmente, as parcas notícias e comentários que tive oportunidade de ler, eivadas de justificado saudosismo, desviam a atenção das principais questões causadoras da morte da empresa, da “medicação” que lhe foi ministrada e das alternativas que poderiam ter permitido a sua salvação, tão triste e custoso para os portugueses, para os seus trabalhadores e para os vianenses em geral é este encerramento.

Não conheço nenhum vianense da minha geração, que não tivesse tido directa ou indirectamente, uma relação de simpatia para com a ENVC. Eu próprio – como certamente muitos outros da minha idade que faziam parte do “bando de pardais à solta” a que então pertencíamos –, recordo com muita saudade esses tempos de menino, passados no campo da Senhora d´Agonia, deslumbrado com a chegada do comboio “Foguete”, vindo expressamente de Lisboa, com as entidades oficiais que assistiam e apadrinhavam o lançamento à água (bota abaixo) dos novos navios. Viana engalava-se com a sua conhecida arte de bem receber os seus visitantes e muita gente da cidade e arredores acorriam ao “anteporto” e à “doca” para verem a obra feita, enquanto os trabalhadores com a emoção reflectida no brilho dos seus olhos, expressavam a “chieira” que sentiam pelo resultado do seu abnegado trabalho.

Nesta empresa encontraram trabalho alguns familiares meus e muitos dos meus colegas de escola e de brincadeira, quase todos com relevantes percursos de vida, técnicos e pessoais, que muito estimo e admiro. A empresa foi quase sempre a maior empregadora do concelho e o relevo justo que tem sido dado aos seus fundadores, vianenses ilustres, qualifica-os como pessoas estimadas e empresários de sucesso. Por isso, nesta perspectiva, a nacionalização da empresa ocorrida em 1975, mais pareceu ditada por razões políticas do que por razões empresariais. Como alguns ex-trabalhadores tem enaltecido recentemente, embora de forma discreta.

Mas, na verdade, a empresa mudou muito desde então e com o decorrer dos anos foi-se politizando cada vez mais e a todos os níveis, com sérias consequências na sua gestão, na sua exploração e na sua rentabilidade. E essa degradação foi-se acentuando a partir da entrada de Portugal na União Europeia e no euro, em virtude de a empresa não estar preparada para enfrentar um mercado altamente concorrencial, muito exigente e com regras próprias.

Com administrações instáveis, grande rigidez no estatuto social e salarial dos trabalhadores, envelhecimento do seu aparelho industrial, desactualização técnica e tecnológica, excessiva verticalização da sua organização e funcionamento, sofrendo pesadas interferências de fora para dentro e, como consequência de tudo isto, descapitalização sistemática por falta de rentabilidade, a empresa foi-se fechando cada vez sobre ela própria, ignorando a necessidade, imperiosa, de se distender horizontalmente, assumindo a satisfação dos seus clientes e do mercado como motor principal da sua actuação e gestão.

Dar a volta a isto era uma tarefa muito difícil e com contornos dolorosos. Não obstante, no primeiro semestre de 2011, o Conselho de Administração em funções assumiu o desafio de uma profunda reestruturação da empresa, numa tentativa muito séria e última, de promover a sua viabilização técnica e económica, preparando-a para o futuro. Com medidas impopulares, audazes e difíceis, com um esforço financeiro do Estado de cerca de 40 milhões de euros, destinados à modernização da empresa e à sua reestruturação interna, com garantia da maior parte dos postos de trabalho.

A infelicidade de a aprovação destas medidas ter sido feita por um Governo que viria a perder as eleições logo a seguir, levou o governo que lhe sucedeu a pôr em causa e a desaprovar as decisões tomadas pelo anterior, de forma irresponsável e populista, muito mal informado sobre a inviabilidade de outras alternativas.

A partir de então tudo se foi desmoronando, o erário público sacrificado em mais cerca de 700 milhões de euros e, pior ainda, com o encerramento da empresa veio o despedimento de todos os seus trabalhadores. Realce-se, neste aspecto, a resiliência demonstrada por alguns (poucos) trabalhadores, entre os quais o antigo líder da Comissão de Trabalhadores, que não tive oportunidade de conhecer, que recusaram receber as substanciais indemnizações oferecidas, preferindo lutar por um emprego na nova empresa que alugou o espaço industrial. Certamente por razões ideológicas, que não são as minhas, mas esta verticalidade de sobrepor as suas convicções à tentação do dinheiro é para mim motivo de registo, em contraste com outras situações.

É isto que com a frontalidade dos que me conhecem, me parece importante dizer sobre este triste desenlace, perfeitamente evitável. Já nada há a fazer. Mas é importante que quem teve responsabilidades nisto, meta a mão na sua consciência e se penitencie interiormente. Com a minha convicção que cada um fez o melhor que soube e que não é hora de rancores.

Carlos Veiga Anjos

Ex-Presidente do Conselho de Administração – Setembro 2010 a Julho

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