“O Caminho Português da Costa sofre pela beleza”

O Caminho Português da Costa está agora oficialmente certificado, um ano após o pedido. O presidente da Associação reconhece a mais-valia deste reconhecimento e espera que Portugal ainda inverta o não aproveitamento deste traçado histórico.

Alberto Barbosa fala do trabalho voluntário da AACSVC, que conta com mais de 300 sócios oriundos de todo o país; e da ambição em gerir um albergue em Viana do Castelo.

Este responsável defende ainda a criação de um Observatório do Peregrino para contabilizar os números reais de caminheiros a atravessar a Ponte Eiffel. Os 60 mil anuais estarão, segundo Alberto Barbosa “um pouco aquém dos números reais”.

Que Associação é esta? Quando foi criada?

Esta Associação começou a ser pensada no ano 200, quando eu e outros jovens fizemos o Caminho de Santiago, partindo de Valença. Quando fizemos o caminho, achámos a experiência tão bela e quando chegamos a Viana começámos a questionar se por aqui não passaria algum caminho.

Porque não tinham informação de que haveria um troço a passar por Viana?

Não tínhamos nós, nem tinha ninguém. Para sermos justos, temos de dizer que havia pessoas que sabiam da existência da passagem, por aqui, de um troço do Caminho de Santiago e que já, de alguma forma o tentavam promover, nomeadamente o Dr.º Francisco Sampaio, que era um arauto do Caminho até antes de 2000, mas as autoridades civis não lhe prestavam muita atenção e não valorizavam. Em 95, 96 e 97 saíram alguns estudos do Centro de Estudos Regionais (CER) muito interessante sobre o Caminho e a passagem por Viana do Castelo. Mas não era nada comparável com a dinâmica que existia na Galiza. 

E que iniciativas começaram a desenvolver?

Decidimos começar a sinalizar o caminho com as setas amarelas, desde Castelo do Neiva até Valença. 

E como foi selecionado o percurso?

Falamos com pessoas que já tinham estudado o caminho e tivemos a sorte de as encontrar. 

Caminho sinalizado após 

consulta de documentos oficiais

Como se define um caminho para Santiago?

O Caminho de Santiago assenta nas antigas estradas/vias medievais e romanas para Santiago de Compostela. Atualmente, em alguns locais, ainda é possível encontrar vestígios dessas estradas. E ao longo do Caminho foram aparecendo conventos, que eram onde os peregrinos pernoitavam. E depois há relatos escritos de batizados de peregrinos nos assentos paroquiais. 

Em Viana há esses casos?

Sim em Castelo do Neiva, há registo de um casal de galegos que batizou o filho naquela freguesia. Encontramos também muitos registos de peregrinos, sobretudo italianos que vinham de barco até ao Porto ou até Viana do Castelo e depois faziam o Caminho de Santiago.

Esses estudos permitiram traçar um percurso.

Sim, e sempre que possível quisemos afastar o peregrino da estrada nacional. Temos de ser claros, o Caminho da Costa não é o que hoje vemos com os peregrinos a fazerem junto à orla marítima. O Caminho é pela meia encosta, não só por questões climatéricas, mas também por causa de piratas, que antigamente chegaram a raptar pessoas. Nas Misericórdias existia um fundo para pagar resgates de pessoas. 

O Caminho Português da Costa está sinalizado pelo traçado correto, mas há muitos a fazê-lo junto à orla marítima. 

O Caminho Português da Costa sofre pela beleza. Isto é, o peregrino que está a fazer o caminho histórico olha para a esquerda e vê o mar mesmo ali à beira. E então opta por fazer o percurso à beira mar e pelos passadiços. Quem faz o caminho central, que passa por Ponte de Lima, olha para o lado e vê um percurso semelhante ao que ele faz. Mas quem faz o da Costa não. 

Começaram então por sinalizar o caminho em que ano? E que dificuldades encontraram?

Por volta de 2005, mas ninguém nos ligava. As dificuldades foram, sobretudo, a não valorização do nosso trabalho. Mas depois começamos a divulgar o caminho e foi quando foi ligado desde Castelo do Neiva até ao Porto. Pouco depois, os peregrinos começaram a circular pelo nosso concelho e aí as autoridades perceberam que era inegável e que tinham de olhar para esta realidade que trazia benefícios económicos. O Caminho de Santiago é um promotor de uma região, porque um peregrino que passa na Ponte Eiffel e tira uma foto partilha nas redes sociais e está a promover o concelho. 

A pandemia afetou também as peregrinações a Santiago de Compostela. 

A pandemia afetou numa primeira fase. No ano passado, a partir de março já houve uma retoma e víamos peregrinos todos os dias. Quando apareceu a pandemia fiquei logo preocupado com o que poderíamos fazer, porque o Caminho de Santiago é um caminho muito humano, pela proximidade que é criada. 

Quais as principais dificuldades que a Associação enfrentou?

Houve situações que foram tristes. O trabalho inicial feito pela Associação foi desde o Porto até Valença, e este é o caminho com maior relevância histórica para o nosso território. Mas inicialmente, as autoridades não estavam despertas para o caminho de Santiago, e por isso os “nuestros hermanos” de La Guardia perceberam o fluxo de peregrinos e sinalizaram também o caminho por aquela zona e atribuíram-lhe o nome de Caminho Portugês da Costa e isto com a conivência das autoridades portuguesas. Muitos peregrinos acabavam por, em Caminha, serem desviados para La Guardia (localidade em frente). Hoje a maioria dos peregrinos que faz o Caminho Português da Costa em Caminha passa para o outro lado do rio Minho. 

Então esta certificação do Caminho Português da Costa vem também ajudar a clarificar esta situação?

Sim, aliás dizem que é a primeira vez que há um trabalho conjunto de 10 municípios, que decidiram juntar-se numa promoção comum do Caminho. Em Portugal considera-se o Caminho Português da Costa do Porto até Valença e em Espanha consideram a passagem por  La Guardia. 

E não conseguem retificar essa situação?

Agora não vai ser alterado. O que acontece é que ao chegar a Caminha ou então em Vila Nova de Cerveira o peregrino pode optar por atravessar o rio Minho e ir já pelo território espanhol. O Caminho Português da Costa sofre pela beleza, alternativas e também pelo tempo que demorou as autoridades a terem sensibilidade para a importância deste. 

Considera que Portugal perdeu uma oportunidade.

Pelo menos não teria havido estes desvios. O Caminho foi agora certificado, mas ainda existem algumas pessoas que dizem que o caminho mais antigo não é o que está certificado. Acho que é importante deixarmos essas discussões, que só trazem mais confusão. Existe um caminho que está certificado e, no global, é um caminho histórico.

Repintar as setas 

do caminho é uma constante

Considera que as entidades civis têm de olhar com mais atenção para este caminho?

Eu acredito que pode sempre fazer-se mais. Já houve um longo caminho por parte das autoridades…Pode, por exemplo, fazer-se mais em termos de segurança, embora não temos relatos de muitos problemas. Aliás este Caminho é feito muito por mulheres sozinhas.   

Que ações vão desenvolver nos próximos tempos?

As setas que fizemos são regularmente retocadas. Embora exista a sinalização oficial, as setas amarelas não deixam de ser um elemento do Caminho de Santiago. Costumámos também fazer peregrinações e excursões a Santiago de Compostela. Outra atividade que fazíamos, e interrompemos devido à pandemia, era o “Chá do peregrino”, que é uma atividade que é realizada no dia 25 de cada mês. É muito participada. E posso já anunciar que no dia 25 de março teremos uma conversa com o historiador Joel Cleto, em Vila Praia de Âncora. 

Atualmente a sede da Associação é na Casa João Velho, junto à Sé Catedral. O que representou esta mudança de instalações?

Até agora a Associação tinha feito um caminho muito só e pouco reconhecido. E como, na altura, o anterior presidente da Câmara disse, esta mudança para este espaço é também um reconhecimento do trabalho feito pela Associação. 

Em Viana passam quantos caminheiros?

As últimas estatísticas falam cerca de 60 mil pessoas anuais. Mas eu acredito que estes números podem não corresponder à realidade. Eu sugeria que a Câmara e o Instituto Politécnico criassem um Observatório do Caminho para contar quantos peregrinos passam pelo concelho. Os dados que existem do número de peregrinos estão limitados à Oficina do Peregrino em Santiago e perdem-se muitos números. Era interessante fazer esse estudo.

Há peregrinos que se perde o registo de passagem?

Sim, porque há muitos peregrinos que repetem o caminho e depois não procuram levar uma nova compostela. Depois há outra situação que é quem não fizer a passagem para La Guardia não é contabilizado como tendo  feito o Caminho Português da Costa, mas como Caminho Central. Considero que deveria ser criado um Observatório antes da Ponte Eiffel para fazer esse registo. Nós quando tínhamos o Posto de Apoio ao Peregrino íamos das 10h às 18h/19h e  registávamos 3500 peregrinos só no mês de agosto e durante esse horário. 

Aqui em Viana há falta de espaço para peregrinos.

Há o albergue do Carmo e existem alojamentos locais, mas, sobretudo no verão não é suficiente. Houve um verão que se não fosse o apoio do Instituto Politécnico seria muito complicado, porque há um fluxo grande. A nossa ambição no futuro é termos um espaço de alojamento aqui no concelho.

A associação também organiza peregrinações. Certamente tem muitas histórias marcantes. Recorda-se de alguma.

Todos temos uma história de vida. E há uma coisa muito bonita de se ver que é as pessoas a revelarem a sua essência, porque todos nós temos as nossas capas. Quando as pessoas fazem o Caminho de Santiago, há situações que levam a que a pessoa se liberte dessas capas e mostra a sua verdadeira essência. É fantástico perceber isso. E como as pessoas se tornam tão mais humanas. E depois há histórias de pessoas, influenciadas pelo filme “The Way”, que levam as cinzas dos seus ente-queridos para deixar em Finisterra.   

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