“O cartaz causa o primeiro impacto, mas depois somos nós que importamos”

Com o orgulho a encher-lhe o peito, Maria Lima concretizou um “sonho” de criança ao tornar-se a mordoma do cartaz da Romaria da Senhora d’Agonia. Com apenas 25 anos, a jovem é apaixonada pelas tradições vianenses, mas ao longo do percurso teve de ultrapassar algumas dificuldades. Durante a conversa com A Aurora do Lima, a felicidade estava estampada no rosto quando falava no folclore e nos trajes da região, uma grande “paixão” de Maria Lima. 

O que representa para ti seres o rosto da Romaria da Senhora d’Agonia?

Eu faço parte do mundo do folclore praticamente desde que nasci. Este meio sempre me chamou a atenção, talvez pelo facto de o meu pai ser o fundador de um grupo em Ponte de Lima, a minha mãe é membro fundador do grupo de Geraz e a minha avó sempre participou nas festas. E Viana vive imenso as festas da Agonia. É um enorme orgulho e ao mesmo tempo uma grande responsabilidade. Quero muito deixar a Ribeira orgulhosa com o meu desempenho enquanto mordoma. Eu sei que esta festa é deles, é nossa, é das aldeias, das pessoas que vêm de fora, mas a essência e a origem é na Ribeira. 

Na apresentação do cartaz falaste que ultrapassaste algumas dificuldades. Queres resumir e falar dessas dificuldades?

Em 2018 foi quando realmente comecei a tentar ser a mordoma do cartaz. Mas não sabia como começar. Fui ver os cartazes que tinham vencido até a data e o que tinham em comum. Comecei a perceber junto de pessoas que os trajes eram antigos e o meu era recente, por isso precisava de um traje antigo. Iniciei o processo de investigação do traje de Geraz, e cheguei à conclusão de que aquele que me era apresentado não era realmente o usado pelos nossos antepassados. (…) Antigamente o traje de Geraz não era aceite nas Festas d’Agonia, era proibido participar. E não há nenhum registo escrito de que em 1852 o traje fosse como é. Existem só testemunhos orais. Seria verde, sim, porque na Casa de Bragança, a cor era verde. A própria D. Maria II gostava da cor verde (…) foi aí que começaram as minhas dificuldades, porque eu apresentava provas concretas e as pessoas simplesmente não queriam ver aquilo que estava a mostrar porque achavam que eu estava a denegrir a imagem daquilo que tinha sido apresentado até hoje. Pelo contrário, eu acho que teríamos muito mais a ganhar. O grupo apresenta apenas uma variante do traje, mas na verdade existem várias variantes e eu acho que se mostrássemos as evoluções que o traje sofreu, o grupo ficaria muito mais rico e o Conde d’Aurora trabalhou nisso e é uma pena que os trabalhos de pessoas que se esforçaram e que têm amor às nossas terras e tradições sejam postos de parte. Eu pertencia ao grupo de Geraz desde os dois anos, mas em 2019 tive que abandonar porque não podia ir contra os meus valores. Sempre quis representar, da forma mais correta possível, as nossas tradições e como não me era permitido, optei por abandonar o grupo.

O traje que usas representa as terras de Geraz, traje que não é muito usual nos cartazes. Como foi recebido naquelas freguesias?

Depois destes contratempos, a vontade de ser cartaz ainda cresceu mais, porque só houve um cartaz a representar as Festas da Agonia com o traje de Geraz em 1967. Eu sou a segunda mordoma de Geraz. E no cartaz estou a usar o traje que realmente defendo. Aliás, não quer dizer que em 1852 o traje fosse assim, possivelmente não existia um avental, o franjeiro não seria com aquele padrão, nem sei se havia franjeiros, talvez fossem lenços de Alcobaça. Tive ajuda de várias pessoas, recolhi informações sobre os trajes à vianesa sobre as suas evoluções junto, por exemplo, de membros da federação de folclore. Não fiz nada da minha cabeça. Em relação as opiniões, foram diversas. Algumas positivas e outras negativas. Mas lá está, é impossível agradar a toda a gente. Normalmente, a cor predominante de Viana é vermelho, mas o verde também pertence a Viana.

As opiniões dividem-se, mas o que te deixa mais satisfeita na concretização do cartaz?

Sinceramente, o que me deixa mais feliz é que algumas pessoas dizem que não gostam da imagem do cartaz, mas gostam do facto de ter sido eu a representar. Gostam da minha forma de estar. O cartaz causa o primeiro impacto, mas depois somos nós que importamos, não é o cartaz que vai estar lá, é a mordoma. E a partir do momento que as pessoas tem a perceção que sou apaixonada por este meio, que tenho conhecimento e uma bagagem cultural e, essencialmente que vibro com a nossa cultura e as nossas tradições, as pessoas entendem e percebem esse amor. O cartaz é uma imagem, mas a verdadeira essência sou eu.  

E em relação ao ouro que usas. Tem algum significado para ti?

Curiosamente, outro dos comentários que foi feito é que tenho pouco ouro no traje. Mas como já referi, eu vou seguindo os meus ideais. Portanto, o ouro adapta-se ao traje. Eu não sou estou vestida com o traje de mordoma, mas de lavradeira. A mordoma carrega ao peito o ouro, a lavradeira não tinha tanto ouro. Para mim, até a forma de ourar tem um significado. Tenho algumas crenças e como sou muito ligada à antiguidade gosto de respeitar certas ideologias. A borboleta que eu uso no colar de contas foi a primeira peça adquirida por mim, portanto, é como se fosse o meu amuleto da sorte. Uso um coração baroco oferecido por uns amigos por quem tenho muita estima. Do lado esquerdo, tenho uma medalha que pertence à minha mãe e do lado direito uma medalha que pertenceu à minha tia avó e à minha bisavó. As pessoas que eu mais amo vão sempre comigo no peito. Eu costumo dizer que quando me trajo é como se eu vestisse uma armadura, porque não me sinto sozinha tenho muitas pessoas ali comigo. 

Sentes a “chieira” quando usas o traje e representas o Minho?

Quando estamos trajados e a representar as nossas tradições mudamos completamente de postura. Sentimo-nos mais bonitos, o orgulho enche-nos o peito e temos uma alegria dentro de nós. Transbordamos de orgulho e de chieira. Eu sempre tive consciência que ia estar muito exposta, e apesar de ser uma pessoa muito envergonhada, quando uso o traje e represento Viana e todas as suas tradições, a minha postura muda, encho-me de orgulho e felicidade. 

O que leva uma jovem de 25 anos a escolher a profissão de bordadeira?

Não sou bordadeira regional, faço bordados com vidrilho, com missangas ou lantejoulas. Basicamente recebo as peças e faço os acabamentos, os ditos berloques. Acaba por ser engraçado, ser mordoma, gostar de folclore e depois ter a sorte de ver como eles são feitos. São experiências boas. Continuar neste mundo dos trajes e do folclore é algo que me agrada e preenche muito, porque é uma verdadeira paixão.  

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