Penso que as festas, anualmente realizadas, em honra da Senhora da Agonia, deixaram sempre algo na memória (e, porventura, no coração…) das pessoas que as viveram. Nascido em Viana, desde criança comecei a ter consciência da importância desta Romaria que já então sofria, por vezes, o rigor de densos nevoeiros e chuvas copiosas.
Certas singularidades, porém, despertavam a minha curiosidade. Nada de extraordinário, eram aspetos secundários, pormenores (uns detallitos) como diria a minha amiga Maria del Pilar. Assim, um desses pormenores, com maior visibilidade em agosto e durante a Romaria, era a quantidade de farnéis, transportados pelas pessoas vindas das aldeias vizinhas, que passavam à porta da minha casa, junto ao rio.
Mulheres vestidas com os seus trajes domingueiros (e ostentando algum oiro) integravam numerosos grupos familiares, muitas delas equilibrando à cabeça, com destreza e elegância, pesados farnéis, cobertos com toalhas de linho. No decorrer da Romaria, à hora das refeições (ou quando a fome e a sede apertavam) as pessoas abancavam, onde fosse possível ou mais cómodo. Também no Largo, ao fundo da Avenida dos Combatentes, junto da gradeada vedação da “doca” e traseiras dos armazéns do sal, estacionavam camionetas das excursões. Às horas aprazadas, todas compareciam, estendiam as toalhas no chão e alheias a quem passava, ali dispunham as vitualhas que traziam nos farnéis. Alguns traziam mesmo pequenos fogões a petróleo, não só para cozinhar ou aquecer os alimentos, como também ali preparar o reconforte “café da manhã”, pois muitos excursionistas dormiam nessas viaturas.
A propósito, lembro-me de um episódio, ocorrido em Lisboa, quando ali vivi e estava hospedado numa pensão da Praça do Saldanha, junto ao Teatro e Cinema Monumental. Certa noite, ao entrar na sala de jantar, deparei-me com um casal vianense, ele antigo Oficial do Exército, há muito reformado e abastado proprietário. Porém, desembrulhado sobre a mesa, tinham um lauto, bem sortido e deliciosamente rescendente, farnel minhoto…
Fui cumprimentá-los e disseram-me que se tinham deslocado a Lisboa para assistir a uma sessão de teatro no Monumental. Apercebendo-se da minha surpresa pelo farnel, ele confidenciou-me, a sorrir: “Sabe, quando saímos de casa, nunca sabemos o que vamos comer nas pensões…”. Gentilmente, convidaram-me para lhes fazer companhia naquela apetitosa refeição. Mas, como não tínhamos suficiente amizade, agradeci e declinei o convite. Desejei-lhes uma boa estadia e dirigi-me, então, para a minha mesa, onde, tristemente, me aguardavam uma sopa insípida e uma exígua posta de peixe-espada frito, com batatas….
José Luís Rosa Araújo