“Fora o árbitro – Morra o árbitro”

Aníbal Alcino
Aníbal Alcino

O meu irmão, mais velho que eu dois anos, era um adepto ferrenho do Futebol Clube do Porto, e todos os domingos arrastava-me para o “Campo do Lima”, situado nessa “cidade invicta”, a fim de assistirmos aos jogos de futebol do seu clube preferido — é claro que eu fiquei com a mesma “doença”…

Meu irmão, Avelino, morreu muito novo, vítima de uma gripe incurável… Era muito meu amigo e trabalhava numa casa de louças e vidros, mesmo defronte à Estação de S. Bento do Caminho de Ferro, que tem uns estupendos azulejos em azul e branco. Ele ganhava, apenas, dez tostões por dia, mas não se queixava dos patrões.

O FCP tinha um campo de terra batida, na Rua da Constituição mas, em contrato com o Futebol Clube Académico dessa cidade, alugava o seu campo relvado para lá ir disputar os jogos mais renhidos…

Um dia, porque o meu irmão queria ver jogar o Sporting Clube de Portugal que, nessa altura, possuía a melhor equipa do País, com os célebres “cinco violinos”, constituídos por Jesus Correia, Vasques, Peiroteu, Travassos e Albano (que conquistaram sete campeonatos nacionais seguidos de Portugal) — deslocamo-nos ao referido Campo do Lima para os ver atuar — isto é, até porque pelo FCP jogavam, também, os célebres jogadores de nome Araújo, “Pinga” e Cubilhas (1940) — alguém se lembra deles?

A dada altura do prélio, o árbitro resolveu expulsar o futebolista de nome Octaviano, que tinha vindo da Académica de Coimbra para jogar no FCP. A decisão foi de tal maneira contestada que a grande maioria dos espectadores começaram a gritar: “FORA O ÁRBITRO! MORRA O ÁRBITRO!” Muita gente, centenas de pessoas, decidiram, de pé, invadir o recinto relvado, e o árbitro em questão, com mais dois juízes de linha, deslocaram-se para o meio do campo a abrigar-se de pedras soltas, protegidos pela polícia que lá estava em serviço… Mas as autoridades presentes eram poucas para as encomendas!

FORA O ÁRBITRO! MOR-RA O ÁRBITRO! A coisa estava a transformar-se num “clima” muito sério. De repente, ouvem-se os altifalantes a dizer alto: “Pedimos a todos os soldados que estão a ver o desafio para que, com os seus cintos, e à polícia presente, e outros que já requisitamos da polícia civil e vêm a caminho, comecem a distribuir “cassetadas” por todos aqueles que pretendam invadir o campo de jogo e agredir a arbitragem”. E

assim foi. Apareceram, não sei de onde, no meio da turba, alguns militares e polícias, em camionetas fechadas, a fim de pôr cobre àquela cena. Autoridades policiais e alguns militares desataram a correr para a zona dos peões… Os assistentes populares que estavam na frente, junto ao relvado do jogo, começaram a fugir para trás, empurrando todo o pessoal para o limite do recinto da parte de cima. Eu e o meu irmão, e tantos outros que estavam de pé, dirigimo-nos, de gatas, até ao muro-limite do campo, numa fuga à toa. Nem tudo é azar! Quando olho para o chão, tive a sorte de apanhar uma nota de cinquenta escudos, e levar um pontapé no cu, não sei de quem…

Os que se atiravam para a rua (cerca de três metros de altura), embora fugindo cada um para seu lado, não deixaram de apanhar, pela Guarda Nacional a cavalo, algumas espadeiradas nas costas e nas costelas.

Mais tarde, em Viana do Castelo, no campo de futebol do Vianense, ia-se dando a mesma cena. O jogo decisivo — e último — para o Vianense subir à 1ª Divisão, tinha como adversário o Riopele (suponho ser o nome de uma fábrica que já não existe…

(?) — o árbitro expulsou um jogador do Vianense (suponho que era o Gerardo, não sei bem) — e parte da assistência desceu para o campo de jogo. O árbitro, alegando falta de condições para continuar o desafio, foi-se embora. O jogo foi adiado para Barcelos, onde o Vianense perdeu, e assim se matou a possibilidade de subir à 1ª Divisão.

Foto: Chile.as.com

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