Pôr a cabeça no cepo

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Gonçalo Fagundes Meira

Lentamente, a justiça lá vai fazendo o seu caminho. E não é de agora que o afirmo. Ainda bem, antes a lentidão do que a inação. Quem já viveu algumas décadas, se atento, não tem dúvidas de que o poder judicial vai mexendo com os poderosos. A opinião pública vai contribuindo, mas a aceitação do descaramento e da maldade também em nada abonariam aqueles que velam pelo direito.

No tão comentado caso BES, a justiça deu mais um passo em frente, esperançando-nos a que o rigor, puro e duro, prevaleça nos chamados crimes de colarinho branco. Sobre o assunto já quase tudo se disse, não faltando especialistas a pormenorizar contornos e colunistas sabidos a dizer de sua razão. Está visto que estamos perante um dos mais escabrosos casos de que há memória no pequeno mundo da banca portuguesa, de enormes consequências para a economia do país. O seu custo, para a sociedade em geral, estima-se em cerca de 12 mil milhões de euros, bem mais que os custos anuais com a nossa saúde: 10.293,1 milhões em 1980, segundo dados da “Pordata”.

Mas há detalhes, dos quais tantos analistas pouco ou nada dizem, que era bom abordar. E o principal está no conceito de que se tratou de um crime bem montado, que iludiu todos os poderes e que quando veio à luz do dia já nada haveria a fazer. Nicolau Santos, jornalista especializado em assuntos económicos, dizia há dias em debate televisivo que também cabem fortes críticas à imprensa, por tão adormecida ter andado em relação a este assunto. Tem razão, já que os jornalistas não podem fazer da sua profissão uma atividade de rotina nem se podem deixar enredar em “cantos de sereia”. Mas que não hajam dúvidas, os poderes, diretos e indiretos, são os grandes culpados desta monumental vigarice, como são de tantas outras. Há quantos anos ouvíamos dizer que Ricardo Salgado era o DDT (Dono Disto Tudo), porque influenciava e manipulava a governação de forma indecorosa?

Este crime provou, mais uma vez, que vivíamos, e ainda vivemos, numa sociedade chocantemente doente – apesar de aberta e democrática –, contrariamente a uma sociedade participada e gerida por padrões de responsabilidade coletiva. E não venham agora alguns colunistas e pequenos políticos gabar a firmeza de Pedro Passos Coelho (PPC) ao não autorizar a CGD a socorrer o universo BES. PPC já era primeiro-ministro há 4 anos quando o BES entrou em agonia. Foi tempo demais a permitir a existência do monstro, para mais num período em que os crimes cometidos por este foram incontáveis. Quando PPC fechou a porta a Ricardo Salgado já só tinha esta solução. Qualquer outra significaria pôr a cabeça no cepo.

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