Uma forma interessante e objetiva de saber o que mais interessa aos portugueses e o que mais lhes ocupa o pensamento é conhecer o que mais foi pesquisado na internet.
O nosso motor de busca virtual revela de uma forma relativamente assertiva quem somos e o que queremos, muito mais do que o que mostramos ao mundo.
Fui analisar as pesquisas mais frequentes dos dois últimos anos e compará-las com as do ano atual. Quem se recorda do Campeonato Mundial de Futebol de 2018? Não é surpresa para ninguém que o povo português vibra com o desporto-rei, ainda que a Seleção tenha obtido o décimo terceiro lugar. E da trágica morte do músico mundialmente conhecido Avicci, no mesmo ano? Este interesse terá sido, não só por ter um vasto grupo de fãs portugueses, para quem chegou a atuar por três vezes, mas também pelo caráter mórbido em que a morte terá acontecido. Ou então, ainda estará presente o ataque à Academia de Alcochete, do Sporting? Novamente, um assunto polémico, e também relacionado com futebol. Todos estes temas foram inúmeras vezes teclados em motores de busca e estão no topo da lista dos temas mais pesquisados há dois anos.
Quanto a 2019, o país debruçou-se sobre a doença e o internamento do ator Ângelo Rodrigues, que levantou questões relacionada com a toma de suplementos alimentares, terapêuticas hormonais e anabolizantes. As eleições legislativas de 2019 também ocupam um lugar de destaque, não pela curiosidade sobre os candidatos, mas o que os portugueses queriam saber era onde votar. E, como não podia deixar de ser, os portugueses pesquisaram sobre o clube de futebol brasileiro Flamengo, que se sagrou campeão pelas mãos de um treinador português, ao fim de 38 anos sem vitórias igualmente importantes.
Já 2020, as pesquisas em ascensão mais rápida em comparação com o período anterior relacionam-se com assuntos como “coronavírus”, “vírus – tipo de agente infecioso” e “máscara”. As nossas janelas para o mundo, desde meados de Março, resumem-se à internet, à televisão e ao rádio. Fomos bombardeados com números: de infetados, de doentes em cuidados intensivos, de mortes, de recuperados. Ainda que em contacto com familiares, amigos e colegas de trabalho, a maioria manteve-se isolado, e vivendo a inquietação e o medo do desconhecido, tentando saber mais sobre a possível ameaça e como se defender dela. O futebol, foi suspenso. As notícias trágicas ou sensacionalistas foram abafadas. O que nos sobrava?
Floresceram perturbações do sono e da ansiedade em quem fora saudável até então.
Agravou-se a violência doméstica nos casais que passaram a partilhar as quatro paredes de casa durante 24 horas por dia. Aumentaram os consumos de drogas naqueles que lutavam pela desabituação. E morreu-se mais. O número de mortes em Portugal nos meses de Março e Abril aumentou em relação ao mesmo período do ano anterior, excluindo o coronavírus como causa de morte. Os doentes fugiram dos hospitais por medo de serem infetados, os cuidados de saúde de rotina foram menos assíduos, o número de internamentos por causas não-COVID reduziu drasticamente…
No balanço final, é imperativo contabilizar a morbilidade ao nível da saúde mental, e não resumir a pandemia a “mortos e feridos” literais e diretamente consequência da infeção pelo coronavírus. Muitos não voltarão a ver futebol com o mesmo entusiasmo numa bancada, outros não quererão mais participar em manifestações ou campanhas eleitorais, e alguns não voltarão a ser o que foram antes. Nunca foi tão necessário retomarmos as pesquisas despreocupadas e banais de quem se entretém enquanto espera no dentista, no cabeleireiro ou no café. A nossa tão querida normalidade.
Cristina Vieira Mendes
Médica Psiquiatria ULSAM