Pese embora a existência de um muito largo conjunto de legislação aplicável no funcionamento do dia a dia da Capitania, pode dizer -se que, ao tempo em que prestei serviço em Viana do Castelo, o documento legislativo fundamental era, indubitavelmente, o Regulamento de Inscrição Marítima, Matrícula e Lotações dos Navios da Marinha Mercante e da Pesca, o qual era designado abreviadamente por RIM.
Tal Regulamento, para além da extensão do nome, ganharia sem qualquer margem para dúvida, se por acaso tal existisse, o prémio do diploma legal que mais alterações havia tido até então, na verdade poucos, se é que mesmo algum, dos artigos da versão inicial do diploma se mantinham ainda em vigor, casos havia, e não eram assim tão poucos como isso, em que as alterações já haviam sido, por sua vez, objeto de novas alterações, algumas delas até por mais de uma vez.
É evidente que, pelo menos os mestres mais antigos, eram perfeitamente conhecedores da situação até porque, por vezes, haviam sido confrontados com a existência de tais alterações
Num qualquer dia de semana quando, pelo fim da tarde, passava pela Avenida dos Combatentes junto a um café (que se me afigura já não existir atualmente), café esse que frequentemente era referido como sendo o melhor pesqueiro do mar de Viana, pois era ali que se podia encontrar diariamente a quase totalidade dos mestres e dos pescadores, fui interpelado por um desses mestres que, com um ar que pretendia ser sério, me informou estar para breve uma nova alteração do RIM, alteração essa que, segundo ele, seria a da criação de uma nova categoria de inscritos marítimos.
Perante a minha estranheza explicou-me então que tal categoria vinha preencher uma lacuna resultante da existência de verdadeiras batalhas navais que diariamente ocorriam no mar entre os pescadores portugueses da pesca artesanal e costeira e os pescadores espanhóis dos arrastões, cuja atuação era causa da destruição de grande parte das artes dos pescadores nacionais. Tais conflitos, inicialmente concretizados unicamente pela troca de alguns “mimos” verbais, haviam levado a que, com o passar do tempo, se verificasse uma considerável escalada de violência, grande número dos mestres de Viana, à semelhança aliás do que acontecia com os vila condenses e os poveiros, contratassem alguns gaiatos para a recolha diária, na praia, de calhaus rolados que eram depois utilizados como projéteis contra os espanhóis que, tanto quanto me recordo, utilizavam a mesma prática guerreira. Considerava pois, o mestre em causa, que era um ato da mais elementar justiça que tais gaiatos fossem considerados, para todos os efeitos, como inscritos marítimos adiantando ainda que deveriam ser designados por “moços das pedras“ e constar no rol de matrícula de cada uma das embarcações.
Infelizmente, ou talvez não, o incremento da fiscalização na zona, levada a cabo pelo navio patrulha da Zona Marítima do Norte, veio restabelecer a paz, pela expulsão dos arrastões espanhóis das águas territoriais portuguesas, terminando deste modo a ocorrência de mais combates navais e acabando com uma fonte de rendimento da miudagem da Ribeira e, o que também não era de somenos importância, impedindo dessa forma que aumentasse o número de alterações de que enfermava o RIM .
Carlos A. E. Gomes