Reflexões eleitorais

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Aproximam-se eleições legislativas e, mais do que acusações mútuas, são necessárias respostas e propostas, devidamente clarificadas. Hoje dedico este escrito às “reformas estruturais”.  Quanto a mim, sempre que ouço os partidos da direita a bradar contra a não concretização das “reformas estruturais”, sem nunca dizerem, concretamente, o que significa o termo, o meu cérebro remete-me imediatamente para privatização, desregulação e liberalização. O Estado (cidadãos) ao deter setores chave da economia, tem como objetivo a defesa dos direitos das pessoas, isto, claro, no plano teórico. Não estou a ter em conta, nesta análise, a corrupção, fenómeno que existe transversalmente, mas que no setor público se torna mais grave e mais escrutinável, por incidir sobre o bem comum.

A privatização indiscriminada, leva a atropelos como o da EDP, que gera atualmente 400.000€ de lucro por dia, vendida ao desbarato aos chineses da Three Gorges, que recuperaram o investimento em pouquíssimo tempo, com o prejuízo de todos nós, integrando ainda como gestores alguns dos agentes mais ativos do processo de privatização. A dos CTT foi ainda pior, dado o incumprimento, pelo adquirente, das condições de serviço público associadas à privatização, sem quaisquer consequências. E outras mais poderia aqui referir.  Essas propostas de “reformas estruturais” futuras, integram, com toda a certeza, a privatização da CGD, que depois de uma fase de prejuízos por má gestão, entrega desde há tempos centenas de milhões de euros ao acionista Estado, todos os anos. A TAP, ao voltar aos lucros, torna, aos meus olhos, incompreensível a sua privatização, após o difícil período de recuperação pós pandemia. Mas o pior prende-se com a saúde. 

A histórica falta de investimento no SNS criou ao longo dos anos um espaço vazio que os privados foram ocupando paulatinamente e com mínimos de regulação. As empresas de saúde privada escolhem os setores onde querem trabalhar; serviços de urgência, transplantes, cuidados de saúde primários e outros, nem pensar. 

Ao disputar as áreas que economicamente lhes interessam, desejam também estabelecer protocolos com o Estado que os mantenham nos níveis de negócio e lucro desejados. A falta de regulação quanto a atos médicos e preços é gritante, numa luta que o SNS nunca conseguirá vencer. 

Países como a Alemanha, exercem forte ação reguladora sobre as empresas de medicina privada e suas atividades, como forma de proteger os cidadãos e o Estado da especulação. Se tivermos em conta que cerca de três milhões de portugueses têm acesso aos privados, por possuírem seguros de saúde ou sistemas de saúde complementares, restam sete milhões de cidadãos que, obrigatoriamente, têm de aceder ao SNS. Ao não investir corretamente no sistema, o Estado está a demitir-se de apoiar esses cidadãos, incumprindo o que está determinado na Constituição da República Portuguesa. 

A obrigatoriedade de permanência dos médicos no SNS, durante um certo período após formação especializada, parece-me básico num país civilizado que protege os seus recursos e a sua população. Poderia ter como alternativa o pagamento da especialidade pelos próprios médicos, que assim ficariam livres para poderem trabalhar, onde quisessem, de imediato.

Por parte dos governos, só um investimento sério em recursos humanos e tecnológicos poderá colocar o SNS num nível de serviço compatível com as suas responsabilidades. 

A Finlândia quase não tem operadores privados de saúde, porque a considera demasiado importante e sensível para a sua população. O forte investimento no sistema público universal, quase não deixa margem para o negócio da doença. A privatização do SNS, ou a sua ainda maior descapitalização, como defendem os neoliberais, roubará o acesso à saúde à maioria dos portugueses, que ficarão sem um dos seus maiores bens, resultado direto da revolução de abril.

No tocante à habitação, jamais deveria ser possível ver famílias despejadas a viver na rua ou em condições sub-humanas, só porque o “mercado” tem de funcionar livremente. O dinheiro tornou-se mais importante do que as pessoas, e o Estado tem obrigação de tomar medidas para proteger os mais vulneráveis, tendo em conta os contextos de crise em que temos estado mergulhados.

Concluindo, as ditas “reformas estruturais” causam-me muita preocupação, porque antevejo os atropelos e as graves desvantagens para o cidadão comum, em detrimento de lucros exorbitantes para os mesmos poderosos de sempre. Ao escrever a palavra “Estado”, por diversas vezes, neste texto, pretendo relembrar que, em sectores chave da nossa vida coletiva, o Estado é mesmo o único garante do bem comum, sem o qual o fosso entre ricos e pobres aumentará de forma acentuada. Bem gerido com competência e seriedade, obviamente.

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