mente a vitória da direita nas próximas eleições legislativas, esse sector é o dos privados da saúde.
O SNS foi, porventura, a maior conquista do 25 de abril de 1974. Na sua génese, destinava-se a assistir na doença toda a população do país, de forma tendencialmente gratuita e acessível a todos.
Foi uma construção difícil, aprovada com os votos contra da direita, PPD/PSD incluído, numa luta claramente ideológica, da qual a esquerda saiu vencedora, para bem de todos nós.
Depois vieram os refluxos.
Ao longo das décadas que se seguiram, o Estado foi reduzindo o investimento em saúde, necessário para que o SNS se mantivesse em níveis de serviço aceitáveis para a população.
A dado momento, começaram a proliferar os hospitais privados, exatamente devido a esse desinvestimento, que tornou desigual o acesso ao SNS, abrindo uma brecha que nunca mais foi fechada.
Aproveitando a chegada dos seguros de saúde e dos sistemas complementares existentes, os grupos privados foram fazendo o seu caminho e desenvolvendo o seu negócio, paulatinamente.
Tenho, por princípio, opinião desfavorável sobre as abordagens privadas da saúde. Porque são, logo à partida, desiguais, numa área que constitui um direito humano, o direito a não morrer por falta de cuidados, claramente plasmado na Constituição da República portuguesa.
Quando Montenegro referiu que abriram, num dado período, 31 hospitais privados e nenhum público, acusando disso o atual governo, fez crer que deveriam ter sido construídos outros tantos hospitais públicos. Não, significa tão somente que, os hospitais públicos existentes, devidamente financiados e bem geridos, não teriam permitido tamanho desenvolvimento do sector privado.
Na Finlândia, país exibido muitas vezes como referência, o sistema privado é residual. O sistema público de saúde, sempre financiado de forma competente, nunca deu lugar a esse crescimento, mantendo um excelente serviço gratuito à população, por igual.
Mas qual é o problema que identifico quando discordo da existência de empresas de saúde privada em tão grande escala, em Portugal? Não é somente um embirramento, nem tampouco um posicionamento ideológico radical.
O sistema privado, dada a sua dimensão, não consegue viver somente dos três milhões que, naturalmente, a ele acedem. Precisa de muitos mais clientes, e esses, necessita de os ir buscar à imensidão que o SNS lhe encaminha, por falta de resposta interna.
Ora, chegados ao privado, o Estado perde completamente o controlo de custos e pagará aos privados a fatura que estes lhe apresentarem. Do mesmo modo que, no restaurante, nos apresentam entradas apelativas e sobremesas excelentes, que no fim da refeição engrossam a conta, os privados da saúde vão ser fartos em exames, meios de diagnóstico e tratamentos vários, para que o seu negócio tenha os melhores resultados no fim do ano.
Nada que não seja legítimo. Mas claro, tudo isto com os nossos impostos. Os médicos, que antes tinham os seus consultórios, perderam também autonomia com o aparecimento dos privados, e acabaram, para não perder tudo, por se tornarem fonte de recrutamento daqueles.
E, se no seu consultório faziam, paulatinamente o apoio aos seus clientes, que depois eram intervencionados nos hospitais públicos, foram engolidos pela voracidade dos grandes grupos, que querem, por força do seu investimento, substituir, em tudo o que lhes interessa, o SNS.
Percebemos então que, o objetivo claro da direita, de toda a direita sem exceção, em graus diferentes é verdade, é sangrar o SNS entregando cada vez mais uma fatia maior da prestação de cuidados aos privados, pagando-lhes por isso.
Como isso se tornará economicamente incomportável, é óbvio que o SNS será tendencialmente abandonado, dando a resposta possível aos que não tiverem qualquer possibilidade de acesso a melhores cuidados, os mais pobres, por falta de meios económicos.
Por aqui, deduzo que os níveis de financiamento das campanhas eleitorais da direita, que se diz por aí serem astronómicos, são a melhor garantia de que tudo vai correr bem, e que um SNS forte será uma miragem, dentro de poucos anos.
Esta é uma forte razão, entre muitas outras, que me faz votar na esquerda. Mas, como eleitor, exijo dos políticos que o investimento no SNS seja responsável, de modo a que, sem reservas, dê uma resposta cabal aos problemas das pessoas, gerindo de forma profissional os seus recursos, reduzindo assim a procura no exterior, com soluções que serão sempre mais caras para o erário público.
Espero muito mais dos políticos, pois em momentos críticos como é este, em que o envelhecimento alterou completamente o quadro da prestação dos cuidados de saúde, sejam competentes nas respostas e nos protejam da avidez do lucro, numa área crucial para as nossas vidas.
Só com políticas corajosas e sérias, o SNS de António Arnaut, Albino Aroso, João Semedo e muitos outros heróis da nossa democracia, continuará a ser um suporte fundamental, num país em que a pobreza teima em não baixar ao ritmo que todos desejaríamos.
Mas isso levar-nos-ia a outro assunto mais macro, a distribuição da riqueza nas sociedades atuais, tema que já não cabe nesta curta reflexão.