O Sr. Manuel Rodrigues não legou a Perre realizações de vulto, nem se distinguiu nas artes ou nas letras. Deixou-nos a memória de uma vida dedicada à família, pautada por exigente grau de conduta e de honestidade, e as grandes obras em que participou durante a sua vida foram de ordem profissional, como adiante veremos.
Nasceu em Perre, lugar da Portela, no dia 02 de março de 1901. Foi carpinteiro e, mais tarde, mergulhador, sendo esta a sua função principal. Andou por terras de Espanha, em Cangas, Pontevedra. Depois trabalhou na construção da Ponte da Arrábida, como mergulhador. No ano de 1954, sempre como mergulhador, trabalhou em Moçambique, então colónia portuguesa. Em 1960 foi chamado para ajudar a construir o cais da cidade do Funchal, na ilha da Madeira. No ano seguinte deslocou-se para Ponta Delgada, ilha de São Miguel, nos Açores, para trabalhar na construção do cais onde agora atracam os grandes barcos de turismo. A sua filha Dores confessou-nos não ter a certeza se o pai trabalhou também no Lobito, em Angola, embora esteja convencida que sim.
Foi marido e pai de uma família coesa onde reinava a alegria de viver, ainda hoje presente nas duas filhas vivas. E outra coisa não seria de esperar da parte do “Tio” Rodrigues, pois uma das suas características mais interessantes era a piada certeira e a resposta mordaz e oportuna, proferida através de um rosto austero, onde o sorriso apenas bulia dentro. A filha Dores conta dele uma história passada na ilha da Madeira, que bem atesta a sua origem em Perre, bem ao norte de Portugal. Uma vez o “Tio” Rodrigues, conduzindo a sua viatura na cidade do Funchal, viu interrompido o seu trajeto por um agente da autoridade, através de forte apitadela que o irritou solenemente. Contrafeito, o “Tio” Rodrigues parou e perguntou ao agente da autoridade “o que se passava”, ao que este respondeu perguntando-lhe por que motivo fizera sinal para a direita e virara para a esquerda. E o nosso conterrâneo não pôde evitar aquela exclamação tipicamente nortenha: “Quem, eu? Oh c
!”
O palavrão saiu certeiro, valendo-lhe uma ordem para acompanhar à esquadra o seu interlocutor. Aí chegados, o Comandante perguntou ao agente o que tinha acontecido, escusando-se este, por visível pudor, a dizer a palavra que motivara a detenção do “Tio” Rodrigues. Mas o Comandante insistiu, pois sem conhecimento não poderia atuar, e por isso o agente teve de proferir o palavrão que os trouxera a ambos até à esquadra. Surpreendido, o superior perguntou então ao “Tio”Rodrigues: “Ouça lá, você de onde é?”, tendo este respondido que era de Perre, à beira de Viana. E não foi sem surpresa que ouviu da boca do comandante: “Não diga mais nada, meu amigo, eu sei onde isso é!”
E, dirigindo-se ao seu subordinado, deu-lhe ordem para libertar o “Tio” Rodrigues, porque, “na terra donde ele é, não se fala noutra coisa”. E mais tarde, o “Tio” Rodrigues veio a saber que o Comandante era da Areosa.
Casou com a Sra. Maria Teixeira, nascida em Perre no lugar da Madorra em julho de 1897, que foi lavradeira, doméstica e parteira, “desde a Costa até ao Pisco”. Gostava das coisas simples da vida, a exemplo duma boa partida de “sueca” na “Tia” Ventura do Carolino. Primava pela alegria e era muito respeitada em Perre, tendo falecido no ano de 1979.
E porque o “Tio” Rodrigues não tinha muita sorte com os agentes da autoridade, recordamos ainda uma ocasional paragem do seu “Simca Aronde” em frente à antiga Drogaria Paula Santos, à entrada da rua da Picota. Havia aí, assinalada no pavimento, uma paragem de autocarro, que o nosso conterrâneo não respeitou, estacionando a viatura “meia fora e meia dentro” dessa sinalização. Não se tinha afastado 10 metros quando foi interpelado pelo agente da autoridade, que lhe comunicou de imediato e com maus modos “que estava multado”. O “Tio” Rodrigues não gostou do tom e da informação e disse-lhe, ainda de forma contida, “que só ia ali tratar um assunto”. Mas, ficando acesa a discussão, o nosso conterrâneo decidiu comunicar ao zeloso agente a sua decisão: “Pois olhe, meu amigo, eu pago então a multa! Mas só pago meia, porque metade da viatura está bem estacionada”.
Quem o conheceu guardou certamente na memória as suas piadas certeiras, proferidas por um rosto inalterável em qualquer circunstância. Habituados que estávamos a vê-lo na sua última ocupação – o balcão do café Teixeira -, com evidente falta de jeito mas sempre com uma piada na boca, estamos convencidos que a recordação da sua forma de ser e estar ficará gravada em Perre ainda por muitos anos.