“Tornei-me independente aos 15 anos… fui sem abrigo!”

O seu nome é Luís Jorge Videira, mas, em Viana do Castelo, onde nasceu há 55 anos, toda a gente o conhece por Joca. “Aos cinco anos deram-me o nome de Joquinha e assim ficou”, conta-nos. Fotógrafo de profissão e conhecido pelas causas sociais junto dos sem abrigo, Joca é também o deputado municipal eleito pelo Partido da Terra (MPT). Popular e interventivo, esteve à conversa connosco.

Joca é oriundo de uma família ligada à fotografia e foi neste meio que sempre viveu.
Sou fotógrafo há 37 anos. O meu pai tinha a Foto Luzarte, na Rua da Picota. Um grande homem da fotografia. Desde os três ou quatro anos de idade que fui ali envolvido. Na câmara escura, assisti à evolução da fotografia, acompanhando o percurso do meu pai. Depois, estive 15 anos no Joaquim Roriz. Uma grande universidade, merecedora de todo o respeito. Com humildade o digo: se hoje sou fotógrafo, devo-o a um homem que se chama Joaquim Roriz. Convém não esquecer isso. Foi o homem que apostou em mim, enquanto outros e a própria família não. Aos 17 anos, depois de eu sair de casa, apostou em mim. E há 22 anos que estou estabelecido por conta própria.

Ultimamente tens-te destacado na cidade pela atenção aos mais fragilizados, às causas sociais… Porquê isso?
É um trabalho que faço há 18 anos.

Mas ultimamente tem-se notado mais!
Porque infelizmente tem havido mais casos. Há coisas para as quais não se tiram cursos. Não precisamos de ser solidários para fazer parte de uma associação. Também não é preciso estar na política para ter o sentido de cidadania. Todos nós somos responsáveis! Tornei-me independente aos 15 anos e também já FUI SEM ABRIGO. Estive 10 meses a dormir nos bancos do jardim, nove meses acampado no Cabedelo. Sei o que é fome, o dormir na rua, isso tudo. Esse olhar por aqueles que… o que eu faço pelos sem abrigo não é mostrar o que Joca faz. Não fazer nada é mais fácil.

Mas há quem te acuse de tratares estes assuntos de uma forma ligeira. Sabes disso?
Sei. Mas vou explicar uma coisa que é importante. Antes de eu tomar uma atitude, peço ajuda. Imagina que amanhã vejo determinada pessoa na rua, sem abrigo, vou pedir ajuda; se ninguém atuar, eu atuo. É uma responsabilidade como cidadão. De todos nós. Há esse mito das intituições tratarem das coisas. Na parte social, a Câmara, outra entidade ou a Segurança Social têm uma grande responsabilidade. São pagos para tratarem daqueles que mais precisam. Tive várias casos, o do húngaro e outras situações, em que, antes de tomar posição, pedi ajuda. Eu e mais duas pessoas fomos à Segurança Social e viraram-nos as costas, não nos atenderam, fomos a outra instituição e disseram-nos: “admiramos muito o que fizeram, deram-lhe banho, cortaram-lhe o cabelo, mas nós aqui não fazemos isso, levem-no para a vossa casa”. Fomos persistentes. No caso do húngaro ninguém pode dizer que não foi alertado. Incluindo a embaixada. Fui tão persistente que veio o consulado e uma equipa médica. Veio-o buscar ao Casulo, a Viana. Ainda bem que ele foi para o seu país para ser tratado, com a dignidade que merece.
Agora, o Joca leva com tudo. Mas há uma coisa que é importante. A toda a gente que me pede ajuda, sou incapaz de dizer não.

Tens uma equipa que te apoia?
Há que dar uma hipótese às pessoas. Só não falha quem não faz nada. Faz-me uma confusão muito grande quando existem instituições que estão no terreno para servir. Vistam a camisola! As pessoas têm de abraçar a causa com paixão. Por exemplo, um enfermeiro tem de ser por paixão. O mesmo com as assistentes sociais. Têm de ter um lado humano muito grande. Há coisas em que não se tiram cursos, nascem com a pessoa. Eu não sou assim porque há dias fui eleito deputado municipal… quem me conhece sabe que ando nisto há 18 anos.

Também te intitulas como deputado do povo?
Não me intitulo. Deram-me esse título.

Porquê?
Quando passavam três semanas após ter sido eleito para a Assembleia de Freguesia de Monserrate, apresentei, ao presidente da Junta, 20 e tal casos para se resolverem. Ele pôs as mãos à cabeça. Casos de ruas danificadas e outras situações que estavam mal. Logo depois, no testamento da Queima de Judas, em março, escreveram “Joca, o deputado do povo”. Assim nasceu há 12 anos…

Levas isso muito a peito?
Com todo o orgulho. Ainda agora comuniquei uma dúzia de situações a diferentes entidades. Tudo assinado como JDP (Joca Deputado do Povo). Uma marca que vai ficar. Com muito orgulho.

Para a Assembleia de Freguesia, foste numa lista do PS. Agora, para a Assembleia Municipal, pelo Partido da Terra. Como é que foi?
Toda a minha vida me intitulei socialista. Mas não sou militante do partido. O eurodeputado José Inácio Faria, que é aqui de Viana, quis-me conhecer. Tivemos um jantar e começou a conhecer o meu trabalho. No primeiro dia que estive com ele, disse-lhe logo que, como eurodeputado, também tinha grandes responsabilidades. Falei-lhe aqui em Viana, de, na antiga JAE, estarem a dormir umas 11 pessoas, outro atrás do Mercado. Disse-lhe que também era responsável. E mandei-lhe as fotos que tinha destas ocorrências, por email. Também já tinha alertado, aqui, várias entidades. Depois, num encontro posterior, começou a tomar conta do trabalho que eu fazia. Na altura, fiquei também conhecido como Joca, Zelador do Povo (JZP). Uma senhora de mais de 80 anos que me disse que eu era ‘uma pessoa que zela por nós, um verdadeiro zelador do povo’. Foi ela que me pôs esse nome.
Depois disso, fui a Bruxelas, com uma equipa dos bombeiros voluntários e ele começou a conhecer o meu trabalho no terreno. Convidou-me, pois queria que encabeçasse a lista para a Assembleia Municipal pelo MPT. Disse-lhe que era socialista, embora não filiado. Mas, acrescentei, era um caso a pensar. Não lhe ia dar já resposta. Vou dizer com frontalidade. Hoje em dia já não sei o que é ser de esquerda ou direita. Sei é que somos pessoas. E cada um tem que ter brio naquilo que faz em prol dos outros. E, quando se tem responsabilidades políticas, duas vezes mais.
Levei-o aos sítios onde estavam os sem abrigo a dormir. Ainda me perguntou se havia mais casos e disse-lhe que sim. Mas, na ex-JAE, estava tudo ‘minado’, não dava para lá entrar. Ele disse-me: ‘Você não é socialista, é humanista e um homem que se preocupa com a natureza. Portanto, enquadra-se bem nos nossos objetivos. Se você aceitar o meu convite, vai como independente (tem de ter um partido base), mas, se for eleito, segue o seu caminho’. Algo importante: eu, na minha vida, nunca cuspi no prato onde comi. Antes de aceitar tive uma conversa com o presidente da Câmara, José Maria Costa, com o qual tenho uma grande consideração e amizade, e dei conhecimento aos vereadores Vítor Lemos, Luís Nobre e Maria José Guerreiro. Só aceitei ser candidato depois de falar com o senhor presidente da Câmara e de lhe ter dito que, se fosse eleito, só tinha mais uma pessoa ao seu lado. Era-me muito mais fácil apresentar os problemas, porque as pessoas me procuram. Perguntei-lhe se podia contar com o seu apoio. Cumprimentou-me e disse que tinha o apoio dele. Foi assim que aceitei.
Para mim, há uma coisa que é importante. Depois de eleito, acabaram-se as bandeiras partidárias.

E como tem corrido a experiência?
Estou fascinado. Desde que fui eleito, todos os meses publico nas redes sociais o trabalho efetuado. Sou, costumo dizer, um fiscal a custo zero. Alerto para as situações que toda a gente me alerta. O Joca, durante estes anos, nunca disse: isto não é comigo. Mesmo quando era deputado na Assembleia de Freguesia, às pessoas que me traziam problemas de Santa Marta, Geraz, Vilar de Mouros, etc. fui incapaz de dizer que não era comigo. É muito ingrato para alguém que não tem responsabilidades políticas dizer para outro cidadão que isto não é comigo, tens de falar com o teu presidente. Não. Nós temos os canais próprios para saber ouvir as pessoas. Só tenho de agradecer a essa pessoa que me apresentou o problema. Procura-se a solução; criticar é muito fácil. Mas é preferível solucionar a criticar.

Como vês esta cidade que também é a tua?
A cidade é de todos nós. O presidente da Câmara que é o presidente de todos nós e o responsável pela cidade. Todos nós, políticos, temos uma grande responsabilidade. Todos nós somos gestores. Ninguém é dono de nada. Temos de saber ouvir as pessoas, ouvir as boas sugestões. Às vezes dão-nos um tópico interessante e há que ter o lado da humildade e reconhecê-lo como boa ideia..

Que futuro te perspectivas na política?
O meu projeto é estar vivo hoje e de manhã acordar para poder continuar o meu trabalho. Daqui a três anos, não sei. Muita coisa pode acontecer. A minha vida sempre a projetei dia a dia. Hoje sei que vou fazer isto. Amanhã não sei se estou cá para fazer. Agora sinto uma enorme responsabilidade. Todos nós temos deveres e responsabilidades, mas um político só tem deveres, porque o direito deu-lhe o povo. Sinto-me duas vezes responsável porque tive o voto do povo e quero honrá-lo.Temos de estar em contacto com as pessoas não apenas de quatro em quatro anos, mas todos os dias, quando chamam por nós temos de estar presentes. Não é favor, é um dever. Fomos eleitos para servir. Estar na política deve ser um ato nobre.

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