A elevação de Darque a vila: partilhas históricas

O 03 de julho já lá vai, é passado, embora recente. Mas o mês é de celebração. Mais do que isso, há que festejar o presente ano enquanto especial, que é do 35.º aniversário de Darque como vila que se trata. E os acontecimentos históricos fazem-se de tudo. Entre tanto, de factos, mais ou menos relevantes, ou de curiosidades, que terão, também, o seu significado. Comecemos, por exemplo, pelo que noticiou A Aurora do Lima de então, acerca do acontecimento.

Naquela quarta-feira, 09 de julho de 1986 – 131.º ano de existência do “1.º jornal mais antigo do Continente”, fundado em 15 de dezembro de 1855 -, a informação era transmitida com efetiva chamada de capa: “Darque é Vila”, podia destacar-se daquele exemplar.

Redigida por Ricardo Silva, a notícia era apresentada com imediata menção a citações de Luís Figueiredo da Guerra e Rocha Páris, figuras das quais o autor da peça jornalística procurou retirar registos descritivos que, no tempo, puderam definir Darque e suas gentes.

Do primeiro, historiador e historiógrafo de Viana natural, que acerca da sua terra pesquisou, o redator transcreve que a agora vila “já no começo do século XIII gozava de importância, entregando-se os seus moradores à faina do mar e do rio, cultivando com esmero os terrenos não invadidos pelas areias, como o provam os foros, que anualmente pagavam em pão, peixe, aves, linho e dinheiro…”

Sem que se torne explícito perceber-lhe o real autor, pela ausência de nome próprio e de referências adicionais, a citação que se segue terá sido atribuída, por Ricardo Silva, a Rocha Páris que, presumivelmente, em 1882, dissertava assim sobre Darque: “Em frente de Viana do Castelo e na margem esquerda do Lima está situada esta importante povoação, de risonho aspeto e magnífica aparência, povoada de bons prédios e bonitas quintas, apresentando-se antes como vila importante que como aldeia obscura. É das freguesias rurais mais importantes deste concelho e sem dúvida a mais comercial”, terá assumido aquela personalidade, vaticinando, ainda, um futuro particularmente positivo para a zona: “Tendo o Lima a seus pés e aproveitando, como aproveitou todos os benefícios e comodidades que ele oferece, explorando-lhe a navegação e a pesca, contendo já oficinas e fábricas importantes – Darque está destinada a representar entre as freguesias do termo um papel relativamente importante”.

Contudo, por relevantes que fossem as figuras e pontos de vista citados, pelo redator assinalados como se de uma introdução se tratasse, da abordagem jornalística haveria de constar o facto documental que terá precedido a conquista do estatuto que Darque hoje ostenta: o Projecto de Lei n.º 143/IV. Enquadrado na II Série, Número 35, do Diário da Assembleia da República, de fevereiro daquele 1986, produzido e apresentado pelo Partido Comunista Português (PCP), o documento elencava as propriedades e as razões pelas quais, segundo os deputados daquele grupo parlamentar, Darque muito teria para ser território elevado a vila. José Manuel Mendes, António Mota e João Abrantes, constituintes oriundos dos Círculos Eleitorais de Braga, Porto e Coimbra, respetivamente, foram os assinantes de um projeto de lei cuja introdução pretendeu definir a pretensa vila: “A freguesia de Darque, do concelho e distrito de Viana do Castelo, é uma das maiores do concelho. Passa atualmente por um processo de desenvolvimento acelerado que se traduz pelo seu crescimento demográfico, social, cultural e económico e pela transformação substantiva da sua configuração social, dando-lhe uma autonomia que quebra a continuidade e a complementaridade em relação à cidade de Viana do Castelo”, escreveram os representantes parlamentares comunistas, para de seguida passarem a enumerar o que de bom e de útil Darque possuía. Elencaram-se condições naturais e faculdades estruturais; abordaram-se exemplos de valências e de infraestruturas de cariz comercial, industrial, cultural, desportivo e urbanístico; enalteceram-se os números de habitantes e de eleitores.
O projeto haveria de ser votado a 3 de julho de 1986. Conforme publicado em Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 90, o resultado, reconhecido hoje como favorável, mereceu apreciação positiva dos grupos parlamentares do PCP, PS, PRD, CDS, MDP/CDE e do deputado independente Borges de Carvalho. O papel abstencionista coube a António Marques, representante do Partido Renovador Democrático (PRD), enquanto que os votos parlamentares contrários à deliberação de elevar Darque a freguesia seriam da autoria da força política que, então, presidia à Câmara Municipal de Viana do Castelo, o PSD.
António Roleira Marinho, Henrique Rodrigues da Mata e José Francisco Amaral, todos eles deputados por Viana, justificariam a opção tomada a partir da correspondente Declaração de Voto, revelando que “O Partido Social-Democrata votou contra o projeto de lei em epígrafe por não se terem respeitado as normas previstas na Lei Quadro 11/82 (necessidade de parecer prévio de todos os órgãos autárquicos envolvidos no processo)”.
Defensor Moura, à época membro do grupo parlamentar do Partido Renovador Democrático, declarava: “O Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD) vota favoravelmente o projecto de lei n.º 143/IV, que propõe a elevação da freguesia de Darque à categoria de vila, já que tal facto representa a concretização de uma antiga e justa aspiração da população darquense…”

Também ele deputado por Viana do Castelo, o socialista Oliveira e Silva haveria de ter a elevação da freguesia de Darque à categoria de vila, como “um tributo que se presta à sua população”. Proferindo elogios e incutindo assertividade ao testemunho, o representante de Viana acrescentou: “O PS associa-se, por isso, ao júbilo da população da jovem vila, realçando nesta hora o esforço que tem desenvolvido em prol da sua terra (…) E manifesta esperança de que o galardão, que agora lhe é concedido como um acto de elementar justiça, constitua mais um estímulo para prosseguir no caminho trilhado, que há de rasgar horizontes para novos avanços e fazer de Darque um dos símbolos vivos do progresso do Alto Minho”.

De “júbilo” e “satisfação”, mas também de crítica, dura e acentuada, foi feita a declaração de voto de um dos tais que ajudou a constituir o projeto de lei aprovado. Pela “legitimidade das pretensões, a existência dos requisitos legais e a natureza democrática do processo conduzido pelo PCP, com o apoio de outras forças políticas”, a elevação de Darque a vila era, para José Manuel Mendes e para o Partido Comunista, “um ato de justiça elementar”.

Negativamente visados acabariam os deputados do PSD, acusados de comportamento “pautado pelo obstrucionismo sistemático” ou “pela defesa de posições cuja fundamentação, bem evidente, relevou insufragáveis interesses de minorias caciqueiras”.
Pelo que se elencara, o tempo era, porém, tanto de retrospetiva como de perspectiva. Era o momento de pensar no que sucedera e de elaborar o que viria. Foi esse o substrato das derradeiras palavras proferidas pelo deputado do PCP: “Darque é agora vila. Com jubilo recebemos a decisão do plenário. Com imenso regozijo as populações festejarão agora o seu triunfo e construirão um futuro próspero e fraterno”, augurava José Manuel Mendes.

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