“A nossa surdina não altera muito a afinação do instrumento”

Há dias, o projeto surdina Shatron recebeu o prémio “Iron” atribuído pela Internacional Design Academy, na categoria de instrumentos musicais.

O projeto desenvolvido por professores do IPVC e ex-alunos daquele Instituto e apoiado pelo Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD) da Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa.

A surdina desenvolvida é das “mais utilizadas pelos trompetistas” e já foram testadas pelos alunos da ARTEAM. Durante dois anos foi feito o trabalho de investigação e agora os próximos passos estão condicionados pela pandemia do novo coronavírus.

Professor de Design do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Ermanno Aparo defende que o IPVC “tem sido um incansável parceiro para toda a sociedade neste momento muito delicado e tem uma grande responsabilidade para e com o futuro”.

A Aurora do Lima (AAL): Como foi receber mais um prémio internacional, depois de no ano passado ter recebido também um prémio com a Almada Trumpet?
Ermanno Aparo (EA): A situação é substancialmente diferente, sendo que este é um prémio partilhado com mais três colegas, a minha mulher e colega no IPVC e dois ex-alunos. Do projeto Almada Trumpet ficou a experiência e algumas questões que, ao serem desenvolvidas, deram origem a este projeto de investigação, também ele integrado e apoiado pelo Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD) da Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, onde eu e a Liliana Soares somos investigadores efetivos. Há cerca de três anos o CIAUD disseminou-se no Alto Minho com a criação do polo do Norte.

AAL: Explique em que consiste a surdina Shatron?
EA: A surdina é produzida com uma estrutura que utiliza uma resina com fibra de carbono e 10 faces em madeira que são restos produtivos de empresas de mobiliário… Toda madeira densa tipo ébano, pau santo, wenge, carvalho, cerejeira, entre outras. Desta forma tivemos a possibilidade de utilizar restos de materiais que, normalmente, são demasiado pequenos para serem reutilizados nas indústrias de mobiliário. Restos de madeiras caras e com ótimas propriedades acústicas e que podem, ainda, dar origem a produtos de qualidade. As aparas de madeira que nós utilizamos são, normalmente, deitadas fora ou queimadas. As surdinas foram testadas por cerca de 20 músicos trompetistas (recorrendo à parceria com a ARTEAM e com o luthier Rui Pedro Silva) e todos a adoraram. Foram dois anos de trabalho sobre este tema. Cada surdina é produzida, individualmente. A estrutura é feita com impressora 3D e cada surdina pode ser completamente personalizada, escolhendo madeiras mais ou menos densas para modular o som. Esta é uma surdina straight – a tipologia mais utilizada pelos trompetistas-, mas com um som menos estridente e mais modular. A nossa surdina, ao contrário das straight de metal, não altera muito a afinação do instrumento, o que é ótimo.

AAL: É um projeto que envolve docentes e ex-alunos. É importante apostar nestes projetos conjuntos?
EA: Absolutamente, a equipa ALTEMPO Design Research Group é composta por mim, pela Liliana Soares e pelos dois ex-alunos, os designers João Teixeira e Jorge Passos. Esta é uma forma interessante para expressar um pensamento projetual contemporâneo e inovador na nossa realidade. Aqui em Portugal é algo de novo, mas este modus operandi já existe no mundo do design (a título de exemplo, nos Estados Unidos, no Japão ou na Itália). Trata-se de uma equipa de trabalho criativa que reúne ex-alunos e docentes em plataformas de Inovação e Desenvolvimento. Nos últimos anos os cursos de Design da ESTG-IPVC têm vindo a fortalecer a relação com os ex-alunos, desenvolvendo a plataforma ALUMNI – um evento que leva a partilhar, com nossos ex-alunos, conhecimento, experiências e reflexões sobre o design. Este evento, por causa da pandemia, está neste momento a decorrer em diversas plataformas sociais multimédia e com ótimos resultados em termos de público.

AAL: Quanto tempo demorou a investigação?
EA: Dois anos de trabalho, mais ou menos constante entre laboratórios, oficinas, computador, empresas e ensaios com músicos.

AAL: O que se vai seguir?
EA: Não sabemos ainda. Temos algumas solicitações, mas a situação da Covid-19 alterou muita coisa, por isso não sabemos que outros projetos iremos desenvolver ou dar prioridade, mas de certeza existe a intenção de continuar com esta equipa.

AAL: Em termos de produção ficará acessível? O objetivo é comercializar?
EA: Isto não dependerá de nós. O concurso A’ Design Award cria uma proteção de autoria a nível mundial no produto e esta foi uma das razões que nos levou a concorrer. Existe uma empresa em concreto interessada no projeto, mas a ideia deverá ser negociada num acordo que envolverá várias partes, considerando que este projeto nasce como um projeto de Investigação.

AAL: Em que outros projetos está envolvido? Quando falamos do prémio da Almada Trumpet falava de um grande interesse internacional, mas do enorme investimento para produzir. Como está a sua produção?
EA: Almada Trumpet acabou por criar subprojetos, ou seja, pequenas componentes que foram desenvolvidas e algumas das quais foram ou serão comercializadas. Mas repito, Almada Trumpet não foi nunca um projeto para a comercialização, mas uma plataforma projetual difícil para explorar métodos e processos de design como o de trabalhar com redes empresariais. Mesmo esta semana, saiu um livro de minha autoria que explica as causalidades e o processo metodológico deste projeto, o quanto ele foi importante e o quanto é importante este tipo de processo quando aplicados noutras realidades.

AAL: O professor Ermanno não é português. Considera que em Portugal há talento para a inovação?
EA: Muito, sem dúvida e os nossos alunos são testemunha disso.

AAL: Esta situação de pandemia, e posterior crise económica vai precisar muito do design e de inovação. Os alunos do IPVC estão prontos a ajudar as empresas da região?
EA: O IPVC tem sido um incansável parceiro para toda a sociedade neste momento muito delicado e tem uma grande responsabilidade para e com o futuro. A oferta formativa em Design da nossa Instituição tem sido sempre próxima da sociedade para desenvolver projetos de Inovação e Desenvolvimento. Mesmo este ano, embora numa situação bastante complexa, os estudantes do 3.º ano do curso de Design do Produto estão a desenvolver um projeto para a criação de uma nova proposta de produtos de acessórios de moda e de calçado com a empresa Namorarte, de Vila Verde. Sabemos que será difícil, mas habituamos e viciamos os nossos alunos a pensar que, em maneira construtiva, se pode construir o futuro, o nosso futuro.

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