A ‘Serração da Velha’ na rua: os testemunhos de quem a viveu e encarnou

Atempadamente anunciado por este Jornal, deu-se, na noite da passada sexta-feira, o retorno à normalidade nos festejos da mítica ‘Serração da Velha’. Postos de parte os recursos tecnológicos e esquecidas as celebrações virtuais, a “serração” e largas dezenas de populares voltaram às ruas. Alguns daqueles a partir das próprias casas, outros comemorando em procissão, seguindo a pé todo o percurso. Calcorreadas zonas com história, foi pelo Largo do Cais Velho que a simbólica partilha do testamento acabou feita. A lê-lo, a própria ‘velha’, teatralizada por Fernando Lima, que aplicou na leitura toda a sátira colocada no texto que ele mesmo produziu. Com este entusiasta do evento falou, aliás, “A Aurora do Lima”. 

Aficionado de longa data, Fernando notou, quando questionado acerca da longevidade da sua colaboração, que terão sido cumpridos, agora, os 40 anos de ligação à ‘Serração da Velha’. Embora enalteça que a organização das duas mais recentes edições tenha estado a cargo da Associação de Reformados de Darque, Fernando Lima fez saber que desde 1982, momento a partir do qual o acontecimento passou a ser planificado pela SIRD (Sociedade de Instrução e Recreio Darquense), que vem prestando o seu contributo. 

Salientando o facto de o papel de “velha” ser, invariável e historicamente, interpretado por homens da terra, este popular não deixou de vincar a simbologia da celebração, desde a origem até ao tempo que vivemos. Recordando-a como marco transitório, que anuncia, tradicionalmente, o fim do inverno e o começo da primavera, sobra a perceção, quanto à ´Serração da Velha´ deste ano e aos que a puderam presenciar, que terão chegado ao fim as preocupações relativas à crise pandémica. Fernando Lima sentiu, nas pessoas, vontade de “espairecer”. Viu espontaneidade nas reações, bem como na forma como o evento foi montado e decorreu. O feedback recebido, desde a noite de sexta-feira, “tem sido bom, agradável”. Realça um, muito específico e, à data da conversa, com poucas horas, promovido por “duas meninas em idade escolar”, que, não obstante todas as dúvidas e reflexões, o terão reconhecido enquanto “a velha” que haviam avistado dias antes. 

Joaquim Ferreira foi outro dos protagonistas. Por razões diversas, nomeadamente, pelo facto de presidir à entidade organizadora da ocorrência festiva, o líder da Associação de Reformados de Darque falou, também, ao “A Aurora do Lima”. Começou por descrever algumas complicações, “visto terem faltado alguns figurantes”, mas o saldo final não poderia ter sido mais positivo: “o cortejo saiu e penso, assim como todos aqueles com quem tive oportunidade de falar, que nos saímos muito bem”, assumiu, aproveitando para resumir as perspetivas da audiência: “A adesão superou, em muito, o esperado. Tive a oportunidade de falar, no fim do cortejo, com pessoas ligadas à cultura, que nos parabenizaram pelo evento, por isso será para repetir”, garantiu, tratando, depois, de acrescentar e dirigir agradecimentos à Junta de Freguesia de Darque, Associação de Bombos de S. Sebastião e à SIRD, pelo apoio prestado. Porque vem liderando uma das mais dinâmicas instituições da vila, foi dada a Joaquim Ferreira a possibilidade de sintetizar as atividades já planeadas. A ocasião foi aproveitada pelo responsável: “Além das excursões marcadas, (Algarve, Açores, Jantar Fado em Lisboa, entre outras), temos no dia 16 de abril a Queima do Judas e no 25 de junho o tradicional convívio de S. João. Vamos também retomar as tardes dançantes de domingo”, concluiu.

Registe-se, na produção deste conteúdo que se espera informativo, a amabilidade dos intervenientes abordados. Falaram e responderam sem pudores. Acrescente-se a gentil partilha promovida por Fernando Lima, que fez questão de endereçar, pessoalmente, o testamento da sua autoria. Pela sua dimensão e pelos impedimentos que daí decorrem, não se afigura viável que o leitor o conheça na totalidade, restando, porém, solução à vista. Ainda que de forma altamente subjetiva, assinalarei três das estrofes que compõem o escrito lido em pleno Cais Velho. Retenha-se, porventura, a mensagem que cobrirá cada uma das transcrições: 

“Desde o despertar

O tempo passar a voar

Como água entre dedos

Temos de acreditar

Seguir, continuar

Exortar nossos credos

(…)

Tive vida plena

Vivi cada cena

No clímax, orgasmo

Somei anos, cresci

Claro envelheci

Com o mesmo entusiasmo.

Em tempo de finitude

O defeito e virtude

Somam o mesmo valor

Estou de mala aviada

De viagem anunciada

Que se lixe o pudor”.   

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