A primeira réplica certificada do barco água-arriba baptizado com o nome de “LANHEZES”, foi construída pelo artesão lanhesense Manuel João Franco Rocha Castro, popularizado com a alcunha assumida de CANINHAS, sendo patrocinado pela Junta de Freguesia de Lanheses na presidência da Ezequiel Vale e lançado à água em novembro de 2011. No dia 30 do corrente mês de agosto, a Câmara Municipal de Ponte de Lima, a que preside o engenheiro Vítor Mendes, festejou com pompa e circunstância a segunda réplica da referida embarcação também da autoria do mestre Caninhas, dando-lhe o nome de “PONTE DE LIMA”.
Amplamente divulgado nos media aquando das correspondentes cerimónias festivas do lançamento à água, a típica embarcação deixou de circular nas águas do rio Lima a partir do início da segunda metade do século passado, por impossibilidade de enfrentar a concorrência crescente dos transportes rodoviários mecanizados a partir daquela data.
Desde tempos imemoriais, os água-arriba multiplicados por muitas unidades atuavam como transportadores exclusivos de bens e serviços no percurso navegável do Lima designadamente entre a foz do Lima e a vila de Ponte da Barca, dando um contributo relevante para a economia das populações ribeirinhas e sustento, sem melhor alternativa, às famílias numerosas dos barqueiros, seus proprietários.
A embarcação água-arriba caracteriza-se pela sua estrutura longilínea, com uma base rasa, com um mastro de vela quadrangular redonda, variando o comprimento entre 13,5m e 15m, e largura entre 3,5m e 5m. A réplica “Ponte de Lima” possui as medições máximas atrás referidas, podendo transportar até cerca de 30 pessoas. Mais pequenas, mas com idêntico perfil eram (são) as chamadas barquinhas preferidas na pesca individual, designadamente, a da lampreia marinha.
Esta “replicação” da réplica nomeada “LANHEZES”, a que foi atribuído o nome de “PONTE DE LIMA” resultou de um convite da Câmara Municipal da “vila mais antiga de Portugal” que o popular e disponível artesão apaixonado por barcos e pela pesca Manuel João Rocha, sobrinho do antigo ciclista Manuel Rocha e sexto classificado numa volta a Portugal pelo Sporting CP, tendo sido levada a cabo com o auxílio do amigo e conterrâneo Amélio Pereira, carpinteiro de profissão, ambos ex-emigrantes em França e definitivamente regressados à terra natal. Ressalte-se que, quer o Caninhas como o amigo Mélio não auferiram remuneração pelo trabalho bem como por outras despesas correntes.
A construção foi iniciada em 31 de maio último, no total foram 917 horas de trabalho.
A madeira foi criteriosamente escolhida pelo Caninhas, tendo as tábuas resultado após três rejeições de pinheiros com defeito para o fim em vista. Passaram pela serração e tratadas numa fábrica especializada em Vila Nova de Famalicão.
O “estaleiro” funcionou na margem do espelho de água da vila (que não quis ser cidade) da Avenida dos Plátanos, em frente à igreja dos Terceiros. O local é extremamente frequentado por residentes e estrangeiros, principalmente no verão, e o Caninhas teve que prestar esclarecimentos e de dar informações a imensos curiosos, com a bonomia e a paciência que o caracterizam.
O ato do lançamento à água do água arriba “Ponte de Lima” teve a relevância e a dignidade devida aos interventores, desde logo o construtor-artesão e o seu companheiro ajudante.
Compareceu muito público, amigos e curiosos anónimos, e o necessário caráter oficial com a autarquia, representada pelo presidente Vítor Mendes e por membros do elenco administrativo da edilidade limarense.
No início das cerimónias protocolares foi passado num ecrã gigante um documentário relacionado com a atividade piscatória no “rio do esquecimento”, no dizer de António Feijó, onde são entrevistados protagonistas reais da época dos água-arriba, alguns naturais de Lanheses, como Alfredo de Lamas, Rochinha, ambos falecidos, e três mulheres vestidas ao uso da época a interpretar uma modinha relacionada com o rio, a Rosa de Lamas, a Rosa Delmira, já falecida, e a Carma da Formiga.
Mestre Caninhas
No desenvolvimento protocolar, o mestre Caninhas foi naturalmente o foco das intervenções. Ele decreveu, muito bem, com serenidade e clareza algumas peripécias no decorrer dos trabalhos, fornecendo dados relativos ao barco, designadamente o facto de terem sido utilizadas maioritariamente ferramentas tradicionais. O dado curioso de um irmão ter contribuído com uma oferta de 70 quilos de pregos. O colega e conterrâneo Amélio teve ainda uma intervenção, lendo quadras da mãe nonagenária.
A intervenção do presidente da Câmara incidiu necessariamente sobre a disponibilidade e a ação do construtor do barco, Caninhas. Informou que o “Ponte de Lima” será um referência para o crescente e florescente turismo local ao ficar localizado preferencialmente em frente ao passeio marginal da Vila, entre pontes, e utilizado para fins pedagógicos dos alunos das escolas desportivas, lazer, atração turística e passeios fluviais com participação em eventos. Foi, também, divulgado que o mestre Caninhas vai encarregar-se, durante dois anos, da formação de um barqueiro que trate da manutenção e da navegação do barco.
Antes do passeio, pelo espelho de água entre as ponte romana e a atual, os dois artistas Manuel João e Amélio Pereira foram agraciados com duas salvas em prata pela Câmara de Ponte de Lima.
O artesão, pescador industrial de lampreias, multifacetado e voluntarioso trabalhador lanhesense, com 65 anos de idade, trabalhou e triunfou em França mais de 30 anos, estando a residir definitivamente na terra natal há 20. É casado, tem um par de filhos, um emigrante em França e a Cristina com escritório de solicitadora, a residir em Lanheses, e, vou arriscar, quatro netos, dois de cada descendente. Vive em notório desafogo.
Com esta, são 16 as embarcações que até construiu, artesanalmente, gratuitamente, entre as quais uma réplica das pirogas monóxilos descobertas em Lanheses datadas de 2300/2500 A.C..
Recentemente, acoplou duas canoas de cinco e três metros e meio obtidas a partir de um pinheiro-do-brasil com mais de 100 anos em vias de secar, colocando mastros para três velas e dando-lhe a forma de um catamaran indonésio vulgarizado na pesca nos mares do sul, nos tempos idos. A atração pelos barcos nasceu na exposição mundial de Sevilha (1992) que precedeu a de Lisboa (1998), ao visitar as três caravelas da exposição.