Associação Terra dinamiza uma nova forma de ensinar

Privilegiando o crescimento livre de todos os seres, a Associação Terra, sediada em Alvarães, Viana do Castelo, nasceu do lema “todos fazemos parte do todo”.

De forma a respeitar o meio ambiente, Ana Sofia Cunha, presidente da Associação, diz que é fundamental o crescimento livre e saudável, e promove o ensino doméstico, criando criança e jovens mais saudáveis. Em conversa com o A Aurora do Lima, Ana Sofia Cunha fala deste método de ensino e demostra a preocupação com o crescimento das crianças nos dias de hoje.

Como surgiu a Associação?

A terra surgiu em 2016 e as primeiras oficinas iniciaram em setembro desse ano. O projeto surgiu de uma vontade de algumas famílias em procurar algo mais relacionado com a natureza e espaços mais livres para as crianças. Começamos com oito famílias, num total de nove crianças. Apesar de sermos todas de Viana, encontramos um local em Alvarães, que era uma creche/IPSS das Irmãs Missionárias e o espaço já tinha uma grande infraestrutura interior com os espaços montados, os sistemas que eram obrigatórios e um grande jardim. O que foi ótimo, porque não tivemos de criar essa estruturas, tinha tudo o que precisávamos. E nós alugamos o espaço enquanto associação. 

Quais as razões para a criação?

A nossa ideia era a criação de um local mais ligado a natureza e com atividades vocacionadas, onde as crianças pudessem ser ouvidas e acolhidas. E, desde algum tempo que fomos observando que se exige demasiado das crianças, e talvez haja um certo desrespeito pelo que a criança é, como se ela fosse um mini adulto com tantas regras e responsabilidades, o que não é. Desde cedo que lhe são incutidas regras, e isso tem a ver com o sistema de educação que atualmente existe, e é algo que não nos identificamos.

Como é o funcionamento da “Terra”?

Nós temos o horário de funcionamento que é das 8h30 às 17h30, e durante esse tempo temos várias oficinas de trabalho por projeto: Horta, culinária, expressão dramática, expressão físico-motora, entre outras. E há crianças que acabam por ficar todo o dia, algumas só vão alguns dias, outras vão pontualmente com as famílias. Não é algo fixo, existem várias opções, e cada família escolhe aquela que se identifica mais com a sua dinâmica familiar e a que está disposta a pagar. As idades variam entre os três anos e os nove anos. Temos algumas famílias que têm as crianças em ensino doméstico, e acabamos por formar um pequeno grupo de crianças que estão nesse ensino para puderem socializar e desenvolver as competências académicas.  

Quantas famílias estão na Associação?

Neste momento temos 33 famílias, de várias zonas, e conseguimos alagar a regiões vizinhas. As famílias procuram-nos especificamente por esta forma de estar com as crianças, e estão dispostas a fazer mais quilómetros para colocar as crianças num sítio que elas acham que é o melhor para o seu desenvolvimento. 

Quantos elementos fazem parte da Associação?

Na verdade, temos cinco adultos para 33 crianças. Mas a par disso temos sempre as famílias que estão connosco e acabam por dinamizar oficinas de ballet, meditação, fotografia, entre outras. E, claro, eu estou sempre por lá. 

 Um dos motes desta Associação é proporcionar o “crescimento livre de todos os seres”. O que isso significa? 

Mais do que cada um possa crescer à sua maneira e ao seu ritmo, é ser visto nesse crescimento. Ou seja, cada criança é vista como ela é, com os seus desafios, com as suas particularidades, e com os seus potenciais. Algo que nos desperta interesse é as ideias do professor José Pacheco e os cursos de aprender em comunidade, ou seja, a metodologia de trabalho por projeto que já vem do movimento escola moderna que acontece na Reggio Emilia. E algo tão simples como a criança descobre um interesse, e como sabemos, os interesses são voláteis. Mas é pegar nesse interesse e criar um guião de projeto com algumas perguntas que vão direcionar a criança para uma pesquisa mais avançada. E esta metodologia é transversal para as diferentes faixas etárias, o que muda é o guião de projeto e as questões que lhe são colocadas. O importante é que estas crianças sejam guiadas a questionar. Nós acreditamos que o que nos torna humanos é o pensamento crítico, a nossa criatividade, a nossa capacidade de resolução de problemas e muitas vezes isso é condicionado.  

Toda a gente tem acesso à “Terra”?

As famílias que estão integradas têm contextos familiares muito próprios. Considero que elas são muito privilegiadas, seja no acesso à informação, seja na educação que tiveram, seja na possibilidade de fazer escolhas ou até financeiramente, porque é uma instituição privada. Mas acima de tudo são privilegiados porque têm acesso a informação e podem fazer escolhas. Aqui é possível ter uma educação mais calma, e perceber melhor o que eles querem.

Para além da mensalidade que recebem das famílias, tem outros apoios? 

Temos o apoio ao associativismo da Câmara, que é anual. E temos uma grande ajuda da freguesia de Alvarães que faz os transportes para diversos locais, e nunca cobra nada. 

Quais são as principais dificuldades que enfrentam?

Não conseguimos chegar a toda a gente e isso condiciona a nossa intervenção. Gostávamos de ir às escolas, e de chegar aos professores. E desta forma, mostrar que o que fazemos é válido e funciona; que traz jovens mais saudáveis, mais íntegros, mais conectados consigo mesmo e igualmente bem formados academicamente, porque as crianças aprendem imenso através da metodologia de trabalho por projeto. 

Sentem que as pessoas não validam o trabalho que fazem? 

O ensino doméstico está na lei, e cada vez mais está a ter uma forte adesão. Mas não é tanto o ensino doméstico que é visto de olhos diferentes, é mais a liberdade que damos às crianças. Para além do currículo, o Estado definiu as aprendizagens essenciais para a saída da escolaridade obrigatória, ou seja, existe o currículo e depois as aprendizagens essenciais que a criança têm que aprender para depois acabar com sucesso e avançar para um novo ciclo.  

Na Terra, como organizam o ano letivo?

No ensino regular é por graus, na Terra damos a liberdade que eles possam ser espontâneos, e escolham consoante o ritmo deles. E que possam brincar, porque é a brincar que eles moldam o cérebro e quando nos antecipamos ou forçamos as coisas, acabamos por ter crianças que são imaturas social e emocionalmente, porque academicamente estão lá, mas não sabem mais nada porque não foram ensinados. Mas claro que é difícil desconstruir isso para as pessoas. E não é válido que a criança simplesmente queira ser feliz, porque a sociedade “hoje” incute novas obrigações e regras. 

A forma de educar hoje em dia é diferente…

Há muita coisa que influencia. Mas por vezes elas não sabem falar, e nem interagir. Eu vejo que muitas vezes as crianças funcionam com castigo e recompensa, não são responsabilizadas pelo próprio ato. E quando eles fazem mal devemos parar e explicar e falar sobre o sucedido. Na Terra, temos um momento do dia em que falamos sobre a semana, o que correu bem ou mal, desafios, o que é preciso ser feito ou novas ideias. E dentro das capacidades deles é possível definir acordos quando chegam a uma conclusão desse problema. E nós temos regras de funcionamento, não é uma metodologia permissiva, eles não fazem tudo aquilo que querem. Ou seja, eles fazem o que querem dentro do limite aceite dentro da nossa comunidade. 

Quais são os próximos projetos?

Neste momento, o principal e grande projeto será a mudança para um novo espaço físico. Pretendemos um local de raiz para voar mais alto e ter outras condições.     

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