De Viana à Guiné

Os jovens David Freitas e Rogério Cruzeiro cumpriram o objetivo que os levou de Viana do Castelo a Catió, na Guiné-Bissau, numa viatura que, juntamente com o seu recheio, foi entregue a uma instituição que acolhe crianças sós naquela cidade guineense.
David Freitas enviou-nos a crónica, emocionante, do último trajeto dessa viagem-aventura:

“Dia 10: Tambacounda – Catió (458 km, mas com sensação de 4580km) [ou Somos todos irmãos]

O último dia da viagem foi tão forte que, em mim, nunca mais acabará. (…) A dureza da estrada deixou no meu corpo ondulações, como se no mar estivesse. (…)

Começamos a “estrada” às 8h e só terminamos  às 21h. O caminho foi feito de terra, pedras, buracos e lombas. Mais uma vez conduzindo grande parte de noite. Demasiado de noite. As “únicas” pausas foram as imensas paragens das forças da autoridade do Senegal e da Guiné-Bissau. Muitas delas à procura de um equilíbrio entre carteiras. De uma destas paragens resultou uma das experiência mais forte desta viagem. Um agente policial depois de perceber que não era ilegal a publicidade no carro, verificar que tínhamos o número certo de extintores e triângulos, detectou que eu tinha mal acondicionado as malas no lugar dos passageiros. Teria que ser multado. Naquele caso eram 3000 CFA.

Levou-me para a cabana onde estavam outros agentes juntamente com a minha documentação. Disse-lhe que (…) iria, obviamente, respeitar a lei, mas que gostaria que a coima  fosse justa e que teria que ouvir o motivo pelo qual eu estava a passar ali.
Expliquei-lhe o que era a “Ambulance for Hearts” para mim, da forma mais profunda que alguma vez fiz. A importância de abraçar os nossos irmãos da Guiné-Bissau, de envolver os mais jovens Portugueses, com a esperança que percebam a sorte que têm e que muitas vezes desperdiçam e da importância de trazer os meus amigos comigo nessa viagem, ainda que simbolicamente. Disse-lhe ainda, honestamente, que um dos motivos em estar ali, era para conversar com ele. Para conseguir mostrar a quem me quiser ouvir, que somos todos irmãos. (…) O guarda chamou-me “humanitaire”. Recusei essa classificação.

Disse-lhe que acreditava que esse era um dos problemas do mundo. Confundir o abraço natural entre irmãos com uma tarefa que tem que ter um rótulo. Que esse abraço começa em casa, com a mulher, filhos, vizinhos, amigos e que, depois pode ou não, ser alargado. Deu-me o seu nome e número de telefone e disse-me que se precisasse de alguma coisa, para ligar-lhe. Nem que eu estivesse em Portugal. Disse-me que podia passar porque sentiu que existiam infracções que não se podiam ver. (…) Voltei a pensar que a maior infracção dos nossos dias é a indiferença. E das desculpas que muitas vezes usamos para as não ver. (…) O momento mais tenso aconteceu quando passamos em Ganduá, a trinta quilómetros de Catió quando uma povoação nos impediu a passagem. O Octávio, a Anabela e a Manuela vieram em nossa direcção para esperarem por nós, e quando a povoação percebeu, quiseram juntar-se para nos receber. Tivemos direito a um banho de multidão inesquecível. (…)”

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