Devemos pensar e agir sem bairrismos, para, em cada ano, elevar a qualidade das nossas Festas

Tem polemizado alguns conceitos sobre os usos e costumes do Alto Minho, e de Viana em particular, mais especificamente o trajar e o ourar. Mas não tem uma visão estática sobre nada, antes pensa que a preservação de valores fundamentais não dispensa visões novas, como é o caso, por exemplo sobre os cantares e as danças da nossa terra. A sua ligação ao Grupo Etnográfico de Areosa, como fundador, em 1966, e seu presidente, quase desde sempre, mostra bem como este Grupo está em permanente evolução, sendo caso de observação em Portugal e internacionalmente. Neste especial Festas d’Agonia impunha-se ouvi-lo, tanto mais que tem uma ligação de décadas à nossa Romaria.  

No artigo de opinião publicado há semanas defendia a importância de perceber o valor simbólico do ourar. Considera que a tradição do trajar e do ourar de Viana está a ser bem preservada ou pode e deve ir mais além?

Sempre houve uma grande vontade dos vianenses em preservarem tradições ancestrais e às quais se sentem muito ligados. Dou como exemplo, o facto de não se falar de Viana sem se falar do Traje à Vianesa.  

O ouro é um elemento preponderante no bem trajar. Mulher trajada sem brincos, ou sem, pelo menos, um cordão de ouro à volta do pescoço não se sente completa. Ourar em demasia, ou os chamados peitilhos muito uniformes, mas facilmente identificáveis, como montagem para incauto ver e a comunicação social mostrar, denotam falta de sensibilidade, novo-riquismo.

Ter boa informação sobre o traje, o seu adequado uso, conhecer as suas origens, o seu percurso histórico, e o bem-vestir respeitando-se as modas e a evolução do trajar faz toda a diferença.  

Nesse artigo dizia também que o traje à Vianesa é um “traje vivo”. Quer ser mais esclarecedor, nesta matéria?

Hoje em dia, apesar da maioria das famílias já não cultivar linho “num palmo de terra”, nem criar ovelhas para obter “um braçado de lá”, apesar da maioria das famílias já não possuir um tear em casa, não significa que tenham perdido a vontade de possuir um Traje à Vianesa principalmente para as novas gerações continuarem a servir as festas, mesmo sem pertencerem a qualquer grupo/rancho. 

Em pleno séc. XXI, os trajes continuam a ser confecionados, e as bordadeiras, as tecedeiras, as costureiras e os sapateiros não têm mãos a medir. Estes trajes podem ser cópias das antigas indumentárias que serviram as bisavós das atuais mordomas que têm gosto em os tentar reproduzir minuciosamente, ou podem ser trajes com as mesmas caraterísticas dos antigos, mas integrando o gosto das novas “lavradeiras”.  

Em Viana do Castelo, os trajes não estão exclusivamente nos museus, nem são pertença exclusiva dos grupos/ranchos porque os vianenses têm sabido dar-lhes vida e utilidade há mais de um século.

O professor é um defensor das tradições dos nossos antepassados. O passado está a ser suficientemente respeitado nos vários quadros da Romaria?

Gosto muito da mensagem que a expressão “o caminho faz-se caminhando” transmite. Também na Romaria podemos dizer que temos feito caminho. Tem sido possível manter muito daquilo que são as tradições que Viana acarinha e o mundo aprecia. 

Para mim, é importante nunca esquecer que as Festas d’Agonia são do concelho. São organizadas, participadas e vividas por todos os vianenses, não são de um bairro ou freguesia, e que nestas datas todos nos unimos para que, a cada ano, sejam as melhores de sempre.

Para falar de algo que não aprecio, tenho de falar do Cortejo na parte a que dão o nome de “arraial” ou, mais vulgarmente, “caldeirão”, porque penso que este quadro não se coaduna com a mensagem que em Viana se cultiva.

Para mim, merecem reflexão as motivações que levam a que centenas de figurantes que satirizam o trajar e o dançar à moda de Viana o integrem. Não defendo o oposto (quadros sem vida), mas não aprecio esta forma de recriar um arraial. 

Na sua opinião, o que é necessário fazer para que a Romaria da Senhora d’Agonia continue a ser a “romaria das romarias”, manter o estilo, desenvolvendo-o, ou pugnar por um grande salto?

É preciso que, ciclicamente, os Vianenses falem sobre as Festas, falem da Romaria. Devemos analisar, discutir, propor de forma o mais alargada possível, e sem bairrismos, para que as nossas Festas sejam pensadas e assumidas por todos.

De entre estas reflexões caberão várias temáticas como: Qual será o futuro? Como será o programa daqui a 10 anos? Haverá outras formas de promover/informar sobre as Festas? Como cativar as novas gerações? Que tipo de gestão/organização se pretende? Como serão as Festas financiadas? Temos suficientes infraestruturas de apoio? Devemos municipalizar as Festas transformando os autarcas em membros de Comissões de Festas? Também devemos pensar nas formas de motivar os Presidentes de Junta e as suas gentes para que representem as suas freguesias de forma a que todos se orgulhem, ou ainda: Como se motivam os grupos/ranchos para que continuem a disponibilizar aquilo a que poderemos chamar uma “mão-de-obra especializada”. 

Há uma nova geração de homens e mulheres, bem alicerçados academicamente e ligados à cultura, que digo ser “criminoso” não estarem já a ser aproveitados para aquilo que penso ser necessário para que Viana não aconteça só em três dias de Festas, mas nos 365 dias do ano. Temos de saber aproveitar a vontade de tantas e tantos que connosco vivem plenamente esta experiência única. 

No desfile da Mordomia julga haver algum traje que, pela diferença, aí tenha menor enquadramento?

Nos últimos 25 anos, tem vindo a ser conseguido algum consenso sobre o que deve, ou não, figurar na Mordomia. Ser Mordoma das Festas é uma função muito específica. A Mordomia não é uma mostra de trajes. As noivas, as meias senhoras, os trajes de domingar e de trabalho não estão a desfilar, porque estes trajes também têm funções específicas que não esta. 

Na minha opinião, o traje tal e qual está a ser hoje em dia usado pelas mulheres da Ribeira de Viana deve merecer estudo, conhecimento, consenso. No passado não existiam mulheres trajadas na procissão sem lenço na cabeça (ou homens de chapéu), por exemplo. 

A Associação dos Grupos Folclóricos do Alto Minho foi um dos fundadores da VianaFestas e ainda integra esta estrutura na Comissão de Honra. Qual a intervenção da AGFAM na festa?

Os grupos que pertencem à AGFAM estão muito presentes em todos os números da Romaria ligados à etnografia. Sentimos, no entanto, que não têm sido aproveitadas em plenitude as potencialidades da AGFAM, tendo em conta o papel destacado que os referidos grupos/ranchos têm tido ao longo de décadas, dando visibilidade a Viana do Castelo, e às suas tradições, em todo o mundo. 

A AGFAM também se evidencia pela realização de muitos outros eventos como o FFIAM, os espetáculos A Minha Terra é Viana e o Encontro de Culturas, ou, ainda, as Jornadas de Reflexão, que pretendem fazer com que os grupos/ranchos repensem as suas práticas.  

No Alto Minho, o folclore sempre teve papel destacado na preservação e divulgação dos usos e costumes da região, portador de um colorido gabado no mundo. Mantêm-se este brilhante estatuto?

Sim, mas… Há uma excessiva proliferação de grupos/ranchos, provocando a descredibilização, a indisponibilidade de membros ativos em algumas freguesias e comprometendo uma boa representação nacional e internacional. Há, ainda, muitos grupos/ranchos que se limitam a copiar o trabalho dos outros, sem acrescentar à investigação já realizada em meados do século XX. 

Em vez de se criarem novos grupos, dever-se-ia ajudar os existentes a fazerem um trabalho cada vez melhor, através da capacitação dos seus membros, tanto ao nível dos conhecimentos musicais, como de dança, dos trajes, das formas de estar em palco, etc.   

Se fossem menos, as associações teriam maior dimensão e projeção. Devemos saber separar o trigo do joio, sem complexos.

O Grupo Etnográfico de Areosa (GEA) é um hoje uma das boas referências do folclore alto-minhoto em Portugal e no mundo. Que futuro prevê para o GEA, vai manter-se neste plano, em crescimento, ou o seu máximo já foi atingido?

O Grupo Etnográfico de Areosa, ao longo destes 56 anos de atividade, profícua, diversa e ininterrupta teve de fazer opções para se poder afirmar. Hoje, é comum ouvir-se dizer que para entender a etnografia em Viana do Castelo, tem de se conhecer o trabalho do GEA. 

Sempre nos recusamos ser generalistas, ser um bocadinho de cada sítio, tal como fazem compreensivelmente os grupos da diáspora. Afirmamo-nos pela diferença, por dar destaque ao que nos torna únicos aos olhos do mundo (o mais vermelho dos Trajes à Vianesa), mas também pela aposta na formação dos jovens que integram a associação.

A pandemia também não nos demoveu, antes pelo contrário, motivou-nos. As nossas escolas sempre estiveram ativas. Disso, hoje, já colhemos frutos.

Porque sentimos que os jovens também sabem fazer opções, estamos convictos de que o Etnográfico de Areosa continuará o seu percurso de afirmação, porque a sua escola não tem sido só de dança, música e canto, mas também de saber estar e de saber coordenar/dirigir. Muitos dos militantes do GEA fazem gala em dizer que foi no Etnográfico de Areosa que encontraram o complemento educativo que lhes faltava.

Como acredito nos jovens, penso que o desempenho do GEA ainda será mais promissor no futuro.      

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