Figuras e factos do Vale do Neiva

Histórias do Couto de Caparerios
O Caso do Antoninho Enforcado.
Manuel Costa Pereira
“À Memória de Amadeu Costa”
Recentemente ao manusear os livros da modesta biblioteca, que meu saudoso pai me legou ainda em vida, entre alguns mais volumosos, deparei com uma separata de apenas sete páginas impressas, que pelo título prendeu logo a mim atenção, porque dizia assim: “Coisas da Nossa Ribeira – O Caso do Antoninho”, por Amadeu Costa. Mas maior foi a surpresa, quando ao abrir o livrinho, logo na primeira página, leio esta dedicatória: “Ao meu amigo senhor António Costa Pereira, com o melhor abraço 30/8/982. Amadeu Costa”, porque embora eu soubesse da amizade que os unia, desconhecia a existência de tão expressiva mensagem.

Com esta acrescida razão, aumentou ainda mais a minha curiosidade, em desvendar o conteúdo daquele opúsculo, porque desde menino me habituei a ouvir contar a triste história do Antoninho Barreto ou Antoninho Enforcado, como dizia a minha mãe. Primeiro ouvi-a nas vozes da família, depois na encantadora narração dos senhores José Maciel, do Tio Emílio Seco e outros “homens velhos” do meu tempo de menino. Mais tarde, homem feito, li a mesma história, descrita já com personagens reais, isto é com nomes e datas, escrita na extraordinária prosa de outro saudoso amigo, José Rosa de Araújo.

A história para quem a não conhece, teve o seu epílogo no dia 11 de setembro de 1838, no largo da Alfândega, em Viana do Castelo, com o enforcamento do Antoninho, cujo nome da certidão de nascimento era António Maciel Barreto. Passados que são 180 anos sobre o triste fim, a história da sua vida e sobretudo a da sua morte, chegou pela voz do povo até aos nossos dias, contada em forma de lenda, em que o pobre jornaleiro nascido perto do Monte da Forca, aqui em Barroselas, era tido pelas gentes do Vale do Neiva e sobretudo da Ribeira de Viana, como um “santo” ou um “mártir” porque, segundo essa voz popular foi enforcado inocente, acusado de ter assassinado, no Faro de Anha, no dia 18 de janeiro de 1836, o lavrador João Saraiva, natural da freguesia da Apúlia, do concelho de Esposende.

Verdade? Mentira? Só Deus é que sabe, porque muita coisa nublosa ficou encoberta, tanto mais que segundo Rosa de Araújo, o processo que o condenou à morte desaparecera misteriosamente do arquivo do tribunal de Viana. O que é certo é que enquanto a sua sepultura esteve no antigo cemitério, que era o adro da igreja das Almas, até ao ano de 1930, todas as noites, sobre a pedra tumular bruxuleava a luz de uma lamparina, que mãos caridosas, por vezes vindas de longe, acendiam sobre os seus restos mortais!…

Mas se esta história era largamente conhecida, por todos aqueles que hoje tem mais de mais de noventa anos, Amadeu Costa dá-nos mais uma achega sobre esta lendária epopeia, em que está em relvo a mãe do padecente, que se chamava Teresa Maria Barreto.

Conta ele, que como era seu gosto desde criança, ouvir as pessoas do seu meio, a Ribeira de Viana, a história do Antoninho era tema obrigatório, não só nas conversas dos pescadores e das peixeiras, mas também nos serões da gente da sociedade de Viana, com quem Camilo Castelo Branco conviveu, na sua curta estadia na cidade do Lima. Por isso, era voz corrente, que um dia o autor do Amor de Perdição, já noite alta, de regresso da casa dos seus amigos residentes na Rua Mateus Barbosa, num dos seus nostálgicos passeios, até à sua modesta moradia, na encosta de Santa Luzia, perto da capela de S. João d’Arga, terá parado junto ao velho adro das Almas e com a sua mórbida curiosidade, debruçado sobre a grade do Campo Santo, fez vaguear o olhar pelas campas alumiadas com modestas velas de estearina ou simples candeias de azeite, e entre elas, divisou um vulto curvado sobre um campa e ouviu sussurros de uma voz feminina. Movido pela sua ávida curiosidade do “desconhecido”, mas travado pelo medo que gela as almas, parou um momento, mas logo decidido saltou a grade da porta, e pé ante pé, segue o ciciar daquela voz, entrecortada de choro e súplica e avança em direção àquilo que lhe parecia um corpo colado à laje sepulcral, que com a sua aproximação vai crescendo no seu olhar e na sua imaginação. Mais perto, fecha sobre os ombros o gabinardo em que ia envolvido e estacou, mas novamente decidido, deita a mão àquela sombra negra estendida sobre a tampa do mausoléu, mas logo a larga, porque uma voz chorosa, triste e dolorosa, mas firme, sem se mover daquele abraço, diz entre soluços: – “Largue-me meu senhor, por amor de Deus, largue-me! Eu sou…sou a mãe do Antoninho”!…

Esta é a narração de Amadeu Costa, tal qual a ouviu dos seus vizinhos. É evidente que conforme ele cautelosamente assegura não houve testemunhas desta dramática cena e só o protagonista, Camilo, poderia confirmar a sua veracidade. No entanto, a morte do “inocente” jovem Antoninho, aos 27 anos, calou fundo no coração e na alma simples do povo da cidade e das aldeias vizinhas, por isso, a quem caberia sentir com mais intensidade esse pesadelo, se não à pobre mãe?

Tendo em conta essa generalizada fama de santidade, não seria de admirar que esmagada por essa imensa dor, Teresa Barreto, possa eventualmente ter calcorreado de pé os 14 quilómetros que separam Barroselas e Viana, para, no silêncio da noite e sem ser vista, poder extravasar a sua dor, chorando as amargas lágrimas de mãe, sobre o que restava daquele filho que trouxe no seu seio e que o povo “santificou”, porque “vox Populi, vox Dei” e para ela, com certeza, essa voz do povo era mesmo a voz de Deus, a garantir a inocência e santidade do seu filho!…

Aqui fica a memória desse homem a quem Viana tanto deve, que se chamou Amadeu Costa, este apontamento, sobre a sua narrativa, para enriquecer a já tão longa e trágica história do Antoninho Barreto, que tendo nascido junto ao monte da Forca, do Couto de Capareiros, onde viveu a sua curta vida, veio a morrer na forca em Viana do Castelo!

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