Literacia em saúde “é determinante na efetividade de qualquer medida” na área

A delegada de Saúde da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) esteve à conversa com o “A Aurora do Lima” para abordar as políticas públicas de saúde implementadas no concelho e distrito, numa altura em que os casos de Covid-19 continuam a aumentar.

Lígia Sá aconselha as pessoas a manter alguns cuidados, nomeadamente a utilização da máscara em espaços fechados e aglomerados, a higienização das mãos e a distância física de pessoas que não pertencem ao mesmo agregado familiar.

Como caracteriza a saúde pública no Alto Minho?

A saúde pública no Alto Minho integra-se atualmente nos fenómenos de saúde/doença atuais a nível nacional e mundial, no combate às crises de COVID-19 e guerra na Europa. Para além disso, tem ainda em andamento o processo de reforma da saúde pública que se vai arrastando no tempo. Existem, no entanto, alguns entraves ao planeamento de atividades que são impostos legalmente, como a atividade da Autoridade de Saúde, Epidemiologia, Gestão da vacinação, Saúde Escolar, Saúde Internacional, entre outras, que interrompidas pela pandemia, se têm vindo a recuperar lentamente.

Mais concretamente, falando da nossa população do Alto Minho, de acordo com os dados do INE, em 2021, o distrito de Viana do Castelo tinha uma população de 231.293 habitantes. Somos uma população duplamente envelhecida, pelo aumento da esperança média de vida e pela redução no número de nascimentos, de forma sustentada, ao longo das últimas décadas, características que condicionam o perfil de morbilidade e mortalidade na região.

A Unidade Local de Saúde (ULS) do Alto Minho tem acompanhado este cenário e procurado definir estratégias de respostas na área da saúde dirigidas às necessidades identificadas. Como exemplo, a nível dos Cuidados de Saúde Primários, foram identificados os problemas de saúde mais prevalentes em 2021 e, após uma priorização participada, baseada em critérios de magnitude, gravidade, vulnerabilidade e factibilidade do programa ou da intervenção, concluiu-se que temos de intervir em áreas como o excesso de peso/obesidade/alteração do metabolismo dos lípidos, na depressão/ansiedade entre outras. Assim, continua a ser reforçado o investimento em saúde nos diferentes níveis de prevenção em articulação com outros representantes da comunidade.

A população do concelho de Viana adere às várias campanhas de saúde que vão sendo implementadas? Quais estão a ser desenvolvidas na atualidade?

A população do Alto Minho é, por regra, utilizadora dos Serviços de Saúde, depositando-lhes confiança, o que se traduz na elevada adesão às iniciativas existentes no âmbito dos diversos programas de saúde. Para além das consultas de vigilância de saúde materna, saúde infantil, planeamento familiar, entre outras, destaco a adesão da população aos rastreios do cancro do cólon e reto, da mama e do colo do útero e da retinopatia diabética, que se iniciaram há uns anos. De destacar ainda o elevado sucesso do rastreio visual infantil. A vacinação contra Covid-19 é outra campanha por excelência, cuja gestão e operacionalização envolve grande parte dos recursos da esmagadora maioria das Unidades de Saúde dos ACES e hospitais nacionais, com inevitável impacto na disponibilidade para outras atividades. Não podia deixar de fazer referência à elevada adesão da população à vacinação, de uma maneira geral, e, em especial, à vacinação contra Covid-19. Nesta data, está a ser administrada a segunda dose de reforço aos residentes em Estruturas Residenciais para Idosos, Rede Nacional de Cuidados Integrados, e aos maiores de 80 anos.

Neste momento, os casos de Covid-19 estão a aumentar no país e a região do Alto Minho não é exceção. Como vê esta situação e que conselhos gostava de deixar aos alto-minhotos?

Esta pandemia, embora com particularidades locais, é transversal ao território nacional e internacional, tendo em atenção a globalização e, com ela, a mobilidade de pessoas e bens, em que se assenta a realidade económica mundial atual. O elevado número de infeções atualmente era expectável, tendo em consideração a libertação de algumas medidas, como o uso de máscara e a eliminação de restrições a grandes grupos, entre outras. Estes aspetos, na minha opinião, potenciaram também a sensação em algumas pessoas de fim de pandemia e levaram a que, mesmo os contactos de risco, tenham aumentado pela ação do comportamento individual. Esta tendência está a ser invertida face à consciencialização do aumento de casos. Nesta sequência, os conselhos que gostava de deixar são naturalmente sustentados pelas Normas/Orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS), com destaque para a Orientação n.º 03/2022, de 15 de março, atualizada a 28 de abril de 2022, que preconiza o distanciamento físico, as medidas de lavagem frequente das mãos e de etiqueta respiratória, nomeadamente, o uso de máscara em aglomerações populacionais, espaços fechados ou na presença de pessoas estranhas ao ambiente familiar, assim como, a adesão à vacinação.

Pensa que o levantamento das restrições, nomeadamente o do uso da máscara contribui para a elevada taxa de novos contágios?

Sem dúvida, o uso de máscara é um fator muito importante na prevenção da transmissão de doenças aéreas, como a Covid-19. No entanto, o fenómeno de aumento do número de contágios da doença obedece a múltiplos determinantes de saúde/doença. Para citar alguns, temos, por exemplo, condições sociais, económicas, de bem-estar, entre outros aspetos, pelo que um único fator de prevenção, embora importante como o uso de máscara, não possa ser considerado separadamente, no que diz respeito à gestão da pandemia ou ainda responsabilizado isoladamente pela nova vaga de contágios.

Como decorreu a campanha de vacinação da Covid-19 no concelho de Viana?

Foi sem dúvida um êxito, tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu, o elevado número de recursos humanos, materiais, financeiros envolvidos, bem como, o grande esforço logístico a que obrigou. De destacar também a articulação e apoio da Comunidade Intermunicipal, assim como, de diferentes parceiros da comunidade em todo o processo. Claro que é sempre possível melhorar. No entanto, não podemos deixar de nos congratular com a eficácia demonstrada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), nas pessoas dos profissionais da ULSAM, a par da extraordinária adesão dos alto-minhotos à vacinação. O elevado número de vacinas administradas num período de tempo tão reduzido é um facto histórico! Em suma estamos todos de parabéns! De salientar que a campanha de vacinação contra Covid-19 continua e vai assumindo diferentes estratégias, de acordo com a evolução da pandemia que tende a transformar-se em endemia.

Assim, a realidade é sempre mutável e obriga a adaptações constantes, tendo em atenção o equilíbrio que é necessário manter entre a campanha de vacinação, ainda em curso, e a retoma das restantes intervenções das equipas das Unidades de Saúde do ACES.

Que novas medidas estão previstas para fazer face ao agravamento da situação?

As medidas na gestão de uma pandemia não são todas previsíveis. Assentam antes no constante acompanhamento dos fatores determinantes que a caracterizam, na avaliação do risco desses fatores e nas tomadas de decisão em consequência. O acompanhamento da situação é traduzido por um trabalho constante de observação e decisão, onde cabe, quando muito, estabelecer cenários possíveis. Como resultado deste acompanhamento, o Governo decidiu prolongar na passada quinta-feira, dia 02 de junho, a situação de alerta em Portugal, até ao dia 30 de junho, mas para já não foram impostas novas restrições quanto à pandemia de Covid-19, mantendo-se assim o quadro anteriormente em vigor. A médio prazo, penso que será importante planear medidas para responder à Covid longa (ou long COVID, em inglês) que será uma das marcas que a pandemia vai deixar no mundo e que poderá alterar a capacidade de resposta do SNS.

Qual é o impacto da pandemia Covid-19 no Sistema de Saúde?

O impacto de qualquer pandemia é devastador em todos os âmbitos da sociedade. O Sistema de Saúde é apenas um deles. O Sistema de Saúde não pode ser visto separadamente das necessidades de saúde dos cidadãos que serve. Essas necessidades aumentaram como consequência da pandemia, pelo que o Sistema de Saúde no geral, e particularmente, o SNS, tem e terá que se organizar para as satisfazer. O Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e Entidades Convencionadas relativo a 2020, ano marcado pelo aparecimento da pandemia de COVID-19, revelou um forte impacto na atividade assistencial nos serviços públicos de saúde, nomeadamente na diminuição do número de consultas médicas, cirurgias e episódios de urgência, atenuado pelo crescimento das teleconsultas que, nos CSP, duplicaram em comparação a 2019. No atual momento, no Alto Minho, já foram retomadas as atividades inerentes à prestação de cuidados de saúde à população.

E em relação à varíola dos macacos, já se conhecem casos no Alto Minho? Que conselhos pode deixar?

Foram reportados casos de infeção humana pelo vírus Monkeypox (VMPX) em vários países e, a 21 de junho de 2022, a Direção-Geral da Saúde (DGS) confirmou 304 casos em Portugal. A maioria foi notificada em Lisboa e Vale do Tejo, mas também há registo de casos nas regiões Norte e Algarve. Todas as infeções confirmadas são em homens entre os 19 e os 61 anos, tendo a maioria menos de 40 anos. A infeção humana por VMPX é uma doença infecciosa zoonótica, ou seja, transmitida por animais, o reservatório ainda é desconhecido, embora se suspeite que os roedores e outros pequenos mamíferos africanos desempenham um papel na transmissão. Entre humanos de ambos os sexos, a transmissão pode ocorrer através do contato direto com fluidos corporais, material de lesões infetadas e mucosas (incluindo ocular, nasal, oral e genital) e ainda através de gotículas respiratórias. A doença pode ser transmitida a partir do momento em que aparece os primeiros sintomas até a queda natural de todas as crostas. Os principais sintomas são lesões cutâneas em forma de vesículas e/ou pústulas, que podem ser acompanhadas por febre, mal-estar geral e cefaleias. Alguns casos podem evoluir para doença grave. Perante sintomas suspeitos, os doentes devem contactar os Serviços de Saúde e manter o isolamento e distanciamento físico, não partilhar vestuário, toalhas, lençóis e objetos pessoais até a queda das crostas. Também se aconselha a higienização e desinfeção de objetos de uso pessoal e superfícies com detergentes com cloro. Quando contactados pela Unidade de Saúde Pública, devem colaborar na identificação de contactos próximos (coabitantes e íntimos) nos últimos 21 dias. Todos os contactos próximos identificados devem manter vigilância de sinais ou sintomas, com avaliação de temperatura corporal duas vezes por dia, durante 21 dias. Não está recomendado o isolamento de contactos próximos enquanto assintomáticos. A DGS continua a acompanhar a situação a nível nacional e mantém-se em articulação com as instituições europeias.

Como caracteriza a política pública de saúde no concelho?

A política pública de saúde do concelho e do distrito não pode ser separada da realidade política de saúde regional e nacional. O Grupo de Apoio Técnico à implementação das Políticas de Saúde definiu como objetivo aumentar e melhorar as respostas dos cuidados de saúde primários, hospitalares, de saúde mental, continuados e paliativos, com aposta na saúde desde os primeiros anos de vida, no envelhecimento saudável e na participação dos cidadãos na gestão do sistema de saúde e desenvolvimento do SNS. De forma natural, no Alto Minho a política de saúde nos últimos anos é o resultado de esforços concertados, transversais a diversos setores da comunidade, como saúde, autarquia, social, educação e iniciativa privada, junto com a participação cidadã, e que se traduz na sustentabilidade do projeto “Cidades Saudáveis”, iniciado em Viana do Castelo há mais de 20 anos, com Monção já integrado na Rede Portuguesa de Municípios Saudáveis e que, esperamos, se alargue a mais concelhos.

Haverá mais algumas informações que poderá deixar para prevenir situações graves de saúde?

Embora as pandemias sejam imprevisíveis, a preparação adequada e o planeamento prévio podem ajudar-nos a geri-las melhor. É urgente pensar em soluções criativas para no futuro sermos capazes de lidar com a nossa capacidade de responder a uma variação repentina da situação de saúde. Neste sentido, já estão a decorrer experiências de partilha com equipas internacionais que visam proporcionar uma melhor resposta universal às Emergências de Saúde Pública. Assim, Portugal é o primeiro país europeu a participar no âmbito dum projeto piloto da Organização Mundial da Saúde “Revisão para a Preparação e Saúde Universal” (UHPR – Universal Health and Preparedness Review), que visa proporcionar uma melhor resposta universal às Emergências de Saúde Pública por meio da partilha de recursos de saúde com parceiros das áreas do meio ambiente, saúde animal, defesa e administração interna. Igualmente importante é a promoção da literacia em saúde e que as pessoas se mantenham informadas, ativas e responsáveis pela sua própria saúde em benefício próprio e coletivo. A estratégia baseada na unificação, no envolvimento público e na tomada de decisão informada são três passos estruturantes para melhorar no futuro o controlo de Emergências em Saúde Pública.

Já agora, como consegue conciliar a função de médica com a sua participação no Conselho Regional da Ordem dos Médicos?

A Ordem dos Médicos é uma associação pública profissional que nos representa enquanto médicos e que entre outras atribuições, contribui para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes, representa e defende os interesses gerais da profissão, presta serviços aos médicos, no que respeita ao exercício profissional, designadamente em relação à informação e formação profissional. Tenho-me como uma pessoa naturalmente motivada e interessada pela realidade atual. Como médica sinto a necessidade de compreender e poder influenciar as estratégias profissionais da minha profissão. Assim sendo, e de uma forma natural, durante o meu percurso como médica, e por sentir ser capaz de contribuir para os interesses gerais da profissão integrei em 2017 o conselho sub-regional da Ordem dos Médicos. Esta experiência tem sido enriquecedora a nível pessoal e profissional e tem permitido alinhar os meus esforços para a melhoria da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes, assim como os interesses gerais da profissão. Espero que o meu contributo se reflita no futuro numa sociedade melhor.  

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