O ex-presidente da Câmara de Caminha Miguel Alves, que começou a ser julgado por alegada prevaricação, negou qualquer irregularidade na contratação da empresa de assessoria de comunicação da também arguida Manuela Sousa.
“Da minha parte, o meu comportamento foi correto. Não houve nenhuma irregularidade. Da parte dos meus funcionários, em quem tenho confiança plena, o contrato de ajuste direto foi todo feito de acordo com o Direito. Foi tudo acautelado”, disse na primeira sessão de julgamento.
O Ministério Público (MP) acusa o ex-autarca socialista Miguel Alves – que se demitiu do cargo de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro após saber da acusação — de ter violado as normas de contratação pública quando acordou com a empresária serviços de assessoria de comunicação para o município “sem qualquer procedimento de contratação pública”.
“Se cometi alguma irregularidade foi com a empresa [de Manuela Sousa]”, referiu Miguel Alves, admitindo que se aproveitou da empresa porque, sabendo da sua expectativa em conseguir um contrato com a Câmara de Caminha, fazia o “jogo do gato e do rato”.
“A empresa queria o contrato e eu ia deixando andar o tempo porque não tinha condições [financeiras] (…). Tentava puxar a brasa à minha sardinha. Aproveitava-me. É uma expressão horrível, mas é verdadeira, dessa expectativa”, referiu.
O arguido garantiu ainda que nunca pagou qualquer serviço à empresa de Manuela Sousa, que à data dos factos usava o apelido Couto, antes de ter assinado contrato em abril de 2015.
Miguel Alves, que começou a prestar declarações às 09h48 no Tribunal de Viana do Castelo e terminou cerca das 11h23, disse ter acedido a um pedido de reunião da arguida, por ter consciência da “importância estratégica da comunicação”.
“Veio dizer-me que tinha capacidade para alavancar o concelho e a minha visão assentava nisso”, sublinhou.
Explicou que, em 2013, quando assumiu a presidência do município, decidiu reorganizar o gabinete municipal para que Caminha “saísse da redoma da imprensa regional”, afirmando que o gabinete da câmara não tinha condições para responder ao plano de comunicação que defendia para o município e “em que quase tudo passava pelo presidente”.
“Eu próprio fazia os títulos, as notas de imprensa e as publicações nas redes sociais”, disse.
Miguel Alves adiantou ter dito “claramente” a Manuela Sousa, numa reunião em 2014, “que não a podia contratar” porque não tinha “capacidade financeira”.
Sem “compromisso”, anuiu a escolher eventos do concelho para a empresa de Manuela Sousa “colocar nas televisões” e admitiu que, após o trabalho gratuito de promoção efetuado, “não deu sequência” aos emails da empresária, garantindo não ter recebido um onde lhe era exigido o pagamento de três mil euros pelos serviços.
Referiu ter tido conhecimento deste apenas quando consultou o processo. O documento foi encontrado pela Polícia Judiciária (PJ) no computador de Manuela Sousa durante a investigação.
Em 2015, “com folga no orçamento para acomodar a comunicação”, a Câmara de Caminha fez o primeiro de dois ajustes diretos às empresas de Manuela Sousa. O último ajuste foi renovado em 2016, com a duração um ano.
O arguido reconheceu que o trabalho efetuado pelas empresas tem “provas dadas na visibilidade do concelho” e que não renovou o contrato que terminou em 2017 porque os serviços deixaram de “ser úteis” e porque a autarquia “não era das melhores pagadoras”.
“Entretanto, estabeleci contactos com a imprensa. Cresci na relação com a comunicação social. Os jornalistas ligavam-me. O gabinete de comunicação da câmara também já tinha contactos. Já não precisava deles. Já não eram úteis”, afirmou.
O primeiro dia de julgamento terminou cerca das 14h55, após a audição de duas funcionárias da autarquia. Os trabalhos serão retomados, na sexta-feira, às 09h15, para serem ouvidas as últimas seis testemunhas no processo.
Segundo a acusação, em 2014, Miguel Alves e Manuela Sousa “mantiveram contactos com vista à prestação de serviços de comunicação, gestão de imagem e assessoria de comunicação à autarquia pelas sociedades MIT e Mediana”, detidas e controladas pela arguida. Os serviços foram, alegadamente, prestados sem qualquer enquadramento formal, contratual ou contabilístico.
Os arguidos estão acusados, em coautoria, de prevaricação de titular de cargo político.
Lusa