Moradores vieram à rua ao fim de uma semana

Foram precisos oito dias para que os moradores cruzassem a porta de entrada do Edifício Jardim, mais conhecido por Prédio Coutinho, e não lhes fosse proibido o regresso. Na segunda-feira, dia 01 de julho, depois das 18h, os abraços e as lágrimas marcaram o reencontro dos nove moradores e dos dois familiares que permaneciam no interior do edifício de 13 andares desde o dia 24 de junho.

Uma providência cautelar interposta uma semana antes (24 de junho) no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga foi validada e obrigava à reposição dos “direitos negados ao longo de todos estes dias”, como a água, luz e gás. O advogado Francisco Vellozo Ferreira acrescentava que “a demolição evidentemente não pode prosseguir enquanto as pessoas não abandonarem” as frações.

A meio da tarde de 01 de julho a luz elétrica foi ligada. A água na manhã de 02 de julho, causando uma pequena inundação, originada num passador que não tinha sido fechado, e que foi resolvida pelos seguranças privados que continuam no local, assim como agentes da PSP. O gás, segundo os moradores, ainda não tinha sido ligado até ao fecho da nossa edição. Numa das frações, na manhã de dia 03, ainda não havia água. Maria José Ponte permanecia sem água e explicava que “fui tomar banho à casa da vizinha”. Esperançada no “guarda-chuva” do tribunal que pedia a reposição “imediata” dos serviços cortados.

A Sociedade VianaPolis reagiu, em comunicado, dizendo que vai pedir a “revogação do despacho”. Fonte daquela instituição manifesta que “a ação é igual à anterior providência cautelar que já foi decidida pelo mesmo Tribunal e totalmente favorável à VianaPolis” no ano passado, e que decretava a saída dos moradores até ao dia 24 de junho.

“Isto não se aceita num estado de direito. Não somos ladrões. Até os presos têm direito a água e alimentos. Foi uma barbárie aos direitos humanos e constitucionais. Para mim foi um sequestro na minha própria casa, uma coisa incompreensível”, dizia, revoltada, Maria José Ponte, na entrada da torre poente do Prédio.

Aquela moradora do 7º andar sublinhava que “não nos devem intimidar, temos direito a defender o nosso lar, que foi pago com o trabalho, nosso e dos nossos pais. Eles querem decidir por nós e pelos juízes”.

No mesmo dia em que a providência cautelar foi aceite, morreu uma das moradoras, Amália de Castro, 87 anos, que se encontrava internada no Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, há alguns dias. O filho e o marido tiveram autorização da VianaPolis para a visitar na tarde de domingo e manhã de segunda-feira, poucas horas antes do falecimento.

Valdemar Cunha foi um dos moradores a quem a fechadura dos apartamentos foi mudada na segunda-feira, dia 24. A abraçar e a congratular os moradores, aquele salientava que “ainda não me deram as chaves” e também manifestava pouca preocupação pelo valor da indeminização. “A mim o que me interessa é passar a imagem de que estas pessoas sofreram de tortura durante estes dias. Sem água, luz, gás e ainda a sofrer com a destruição de alguns apartamentos contíguos”, dizia Valdemar Cunha.

Direitos repostos
Aos jornalistas, ao início da tarde de 01 de julho, Francisco Vellozo Ferreira manifestava satisfação pela vitória. “A partir de hoje voltam a ter repostos os direitos que lhes têm sido negados todos estes dias, direitos fundamentais da sociedade”. O advogado sublinhava que a situação vivida ao longo de uma semana foi de “evidente injustiça” e “algo surreal”.

“As pessoas não podem estar sujeitas a situações como os meus clientes estiveram todos estes dias”, manifestava o causídico. Adiantando que o facto de na sexta-feira terem sido impedidos de falar com os clientes foi “algo de igualmente surreal”. Adiantando que “hoje tudo isto tem uma pedra em cima e amanhã poderá ser um caminho de diálogo que seja útil para ambas as partes”.

O despacho da ação cautelar, a que tivemos acesso, obriga a VianaPolis a “abster-se de condutas tendentes a impedir o fornecimento de serviços essenciais e a livre entrada e saída de pessoas”.

“Sentia que estava no quartel”
José Santos, 78 anos, coronel reformado, saiu ao final da tarde de 01 de julho do bloco nascente. Emocionado, contava que “para mim não foi difícil. Sentia que estava no quartel”. O militar de abril, que esteve em Angola e Moçambique, dizia: “Estou muito satisfeito”, assegurava, explicando que o mais difícil foi “a comida”.

“Isto foi uma vitória”, dizendo que “não abri a porta ao presidente da Câmara porque se bateu à porta eu não ouvi”. Adiantando que “disse que queria negociar connosco e a seguir corta-nos o gás. Eu não aceito qualquer tipo de diálogo, nem com a Polis, nem com ele. As cartas registadas que vinham não recebi nenhuma”.

Petição
Mais de duas mil pessoas já subscreveram uma petição pública online contra a demolição do prédio Coutinho, que considera que “não é ético nem decente” obrigar pessoas a sair de casa só por questões estéticas.

Designada de “Salvar o Prédio Coutinho” pode ser subscrita online em (https://peticaopublica.com).

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