Na primeira linha de combate à Covid-19

É filho de vianenses, mais concretamente de Areosenses (Conceição Mina e Gaspar Gaião). É Médico Intensivista (Medicina intensiva que presta suporte avançado de vida a pacientes) no Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de São João do Porto.

Temo-lo visto regularmente nas reportagens televisivas que, nesta crise que vivemos, vão sendo feitas nesta Unidade de Saúde, reconhecidamente de vanguarda.

Mesmo em sobrecarga de ofício, não hesitou em responder às curtas questões que lhe colocamos. Acabado de chegar de mais um exaustivo dia de trabalho, respondeu de imediato. Diz que adora ser médico e que todos os dias vai trabalhar com manifesto prazer.

Fala do seu trabalho e da delicadeza deste, porque tem permanentemente na mão a vida de pessoas; e salvar o máximo delas é sempre o seu maior desafio. Considera que o SNS está sob a maior pressão a que já assistiu como médico; e sobre o Coronavírus é suficientemente claro: “é triste, mas a Natureza, quando quer, tem a sua palavra a dizer”.

Para o Sérgio Gaião e para todos os profissionais de saúde, bem como colaboradores, aqui fica expresso o sentimento de gratidão deste jornal e dos seus leitores.

A Aurora do Lima (AAL) – Um médico está sempre muito próximo do doente e sente particularmente os seus males, como é o estado de espírito de alguém cujo objetivo é salvar vidas em situações tão dramáticas?
Sérgio Gaião (SG) – É muito frequente eu pensar: ainda bem que sou médico dos Cuidados Intensivos! Isto porque o estado clínico dos doentes que trato é péssimo, colocando-me assim num de dois cenários: (1) O paciente está acordado mas não tem capacidade de comunicação explícita; e os seus sentimentos são de difícil leitura face ao doloroso sofrimento que a doença aguda lhe está a provocar; (2) O paciente está em coma induzido, não expondo, portanto, os seus sentimentos ao mundo. Nesta conjuntura, temos que ser extremamente frios e rápidos a tomar decisões clínicas, não havendo tempo para sentimentos. Aliás, uma das principais características que atribuo ao Médico de Cuidados Intensivos é a capacidade de pensar bem quando tem pouco tempo e, provavelmente, o facto de ter pouco tempo faz com que consiga ser mais racional e assertivo.
Sendo assim, torna-se mais fácil para mim lidar com os males dos meus doentes.
Não tenho dúvidas que será bem mais complexo para os médicos que lidam com doentes mais crónicos e irremediavelmente condenados a uma morte certa, mantendo no entanto toda a sua capacidade cognitiva e de expressão. Admiro imenso os profissionais de saúde que conseguem acompanhar um doente ao longo de semanas e meses num caminho cuja direção única é a morte, mas digna.

ADORO O QUE FAÇO

AAL – Como vive o seu dia-a-dia um médico permanentemente na “frente de batalha”?
SG- Felizmente, parto de um bom basal: adoro o que faço! Por nada teria alterado o meu percurso profissional e trabalho todos os dias do ano com redobrado prazer. Nesta fase de pandemia, em que se multiplicam as horas de ocupação e, sobretudo, de decisões clínicas e éticas “complexas”, o cansaço apodera-se de nós. Custa ao início do dia, mas rapidamente passa, isto porque tenho a sorte de estar rodeado de profissionais exemplares, cuja postura perante esta adversidade do SARS Cov-2 potenciou a sua capacidade de trabalho, fazendo com que todos nós tenhamos de nos esforçar até ao limite.

AAL – As epidemias, felizmente raras, podem acontecer em cada tempo. Esperava a que estamos a viver, que se apresenta como um fantasma da morte e de forte complexidade para a ciência?
SG – Não esperava de todo esta que estamos a viver. A gripe A foi um bom exemplo recente da força que uma pandemia pode ter, mas não esperava que outra estivesse a caminho e colocasse o nosso SNS sob a maior pressão a que já assisti como médico. É triste, mas a Natureza, quando quer, tem a sua palavra a dizer. No entanto, temos duas posturas possíveis perante a adversidade: (1) Lamento e tristeza. Esta resposta é compreensível, já que o SARS Cov-2 nos coloca perante a doença e potencialmente a morte, assim como nos obriga a um isolamento social com repercussões psíquicas terríveis, sobretudo para os mais desprotegidos; (2) Combate da pandemia e identificação de áreas de melhoria.

TESTAR O SNS
Estão a ser testados os limites do SNS, sendo nos limites que muitas vezes nos apercebemos do que é essencial para o seu bom funcionamento, assim como, eventualmente, o que é desnecessário e, por isso, dispensável. Esta identificação do que é realmente importante poderá ser de grande ajuda no futuro, constituindo uma força para modificar as nossas estruturas de saúde para algo mais sólido e, sobretudo, mais eficaz. A minha aposta vai neste sentido. Sabemos que é fácil de dizer, mas bem difícil de fazer. No entanto, acredito que a Área da Saúde poderá sair mais forte desta “guerra”, dadas as muitas experiências adquiridas.

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