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o longo da vida, a sua ocupação foi quase sempre ligada à construção e reparação naval; primeiro na Setenave e ENVC, nas áreas técnica e comercial, e hoje, sem mudar de espaço nem de funções, na West Sea (WS), agora também enquadrado na direção da empresa. O Engº Santos Lima (na foto) teve sempre uma visão muito pragmática em relação a esta indústria, particularmente no tocante a Portugal e aos ENVC, por compreender que se trata de uma atividade na qual a Europa tem dificuldades em manter-se concorrencial, por força dos baixos preços praticados pelos estaleiros do continente asiático. Nesta entrevista que nos concedeu mantém, objetivamente, a convicção das dificuldades que o nosso país tem em construir embarcações, particularmente para o mercado externo. Contudo, não perdeu o otimismo e continua convicto que Viana do Castelo tem condições para continuar a honrar-se, abraçando o mar e a lá colocar os seus navios, apresentados como os melhores, tal como é reconhecido pelos grandes armadores internacionais. “A Indústria Naval continuará a ser, estou convicto, um fator de empregabilidade e progresso em Viana”, diz-nos.
Eng. Santos Lima, depois dos ENVC passarem a ser geridos pela WS, em 2014, a que conclusões pode chegar sobre a construção e reparação naval em Viana do Castelo. Mantém-se a qualidade e prestígio mundial que anteriormente se tinha conseguido?
A qualidade dos navios construídos e reparados em Viana sempre foi e continua a ser a principal referência competitiva dos ENVC e, agora, da W.S. Temos recebido, para reparar, navios de armadores alemães cá construídos e dos mesmos armadores, construídos noutros estaleiros, mesmo europeus, e o estado dos de Viana é incomparavelmente melhor, o que é reconhecido e elogiado por eles. Esta característica diferenciadora continua no presente e é para manter no futuro.
Como vai o mercado nesta atividade. A WS entra bem na concorrência, particularmente com os estaleiros do continente asiático?
A construção naval europeia, que até aos anos 80 do século passado dominava com mais de 80% do mercado, representa agora cerca de 6% da carteira de encomendas e 19% em valor, por se dedicar a navios complexos de maior valor acrescentado.
A sua deslocalização da Europa para a Ásia é uma tendência que, tudo leva a crer, será irreversível, com cada vez mais países asiáticos no mercado, não só a Coreia e a China, mas também a Índia, Vietname, Malásia, Filipinas, etc.; alguns com custos de mão de obra inferiores aos chineses. Os baixos custos da mão de obra, associados aos fortes subsídios (não permitidos na Europa) e as facilidades de acesso ao financiamento, um importante fator competitivo, proporcionados pelos governos desses países, dificultam imenso a permanência europeia neste mercado.
Na Europa um grande número de Estaleiros encerrou e os que resistem dedicam-se à construção de navios de maior tecnologia, nomeadamente navios militares, de passageiros, dragas e científicos, e a reparações. No entanto, a dependência de nichos de mercado torna-os também mais vulneráveis.
A W.S., como não poderia deixar de ser, tem feito também esse caminho, dedicando-se a navios de cruzeiro e militares, reforçando a atividade de reparação que, nos últimos anos, mais do que duplicou o volume de negócios.
Atualmente, qual é o efetivo real da empresa e quanto são os trabalhadores oriundos dos ENVC?
O efetivo atual da empresa é de 350 trabalhadores, dos quais 122 pertenceram aos ENVC. Dos ex-ENVC já trabalharam na W.S. mais de 200 trabalhadores. Entretanto, passados 10 anos, boa parte destes foram saindo para a reforma. O total detrabalhadores diariamente na empresa varia conforme as cargas de trabalho, entre os 600 nos períodos de menor atividade e os 1300 nos picos de trabalho.
No tempo da gestão dos ENVC o efetivo de trabalhadores dividia-se com 20 a 30% para a reparação e 70 a 80% para a construção. Parece que, hoje, estes valores quase se inverteram. É esta a situação?
Atualmente a repartição é mais equilibrada e, embora variável, em função das flutuações do mercado, a característica das duas atividades aproxima-se dos 50/50.
A carteira de encomendas existente dá ocupação para todo o efetivo da empresa, ou ainda há necessidade de recurso a mão de obra externa?
Como se depreende da resposta sobre o efetivo da empresa, recorre-se a subempreitadas externas, e não poderia ser de outra forma, sendo esta uma atividade em que não é possível manter uma atividade constante e certa, pela natureza do produto e do seu ciclo de fabricação. Já não há nenhum estaleiro europeu que mantenha uma estrutura de produção verticalizada, só com pessoal próprio em todas as profissões.
No mês de maio do ano em curso, nas comemorações do dia da Marinha Portuguesa, na cidade do Porto, a ministra da defesa deu a conhecer que se vai abrir o concurso para a aquisição de seis navios de patrulha oceânica, inserido no programa de renovação da frota da Marinha Portuguesa. Dada a sua experiência na construção destes navios, que expectativas tem a WS em relação a este concurso?
Esse concurso, internacional, foi lançado no verão, a WS concorreu com a apresentação da sua proposta em cumprimento com os requisitos do caderno de encargos que está agora em fase de decisão de adjudicação. A expectativa de que vamos conseguir esse contrato, de seis navios patrulha, é de grande confiança. Não havendo em Portugal outro Estaleiro com capacidade, vocação e experiência para construir este tipo de navios, seria uma grande surpresa se assim não fosse cumprindo, naturalmente, com as exigências nacionais e europeias para concursos desta natureza.
Sabendo das dificuldades para habilitar gente no trabalho da construção e reparação naval, sendo conhecida a prática dos ENVC, que dispunha de um serviço de formação que preparava, de forma enaltecida, praticamente todo o seu pessoal, como é a realidade presente?
A vertente formativa foi, durante muitos anos, talvez o contributo mais importante dos Estaleiros para a sociedade local e a economia da região. Sobretudo a partir da segunda geração de trabalhadores, mais habilitada, nomeadamente os oriundos das boas Escolas Industriais da altura, surgiu um grande número de técnicos e operários muito competentes, que se salientaram nas principais empresas metalomecânicas do país e também no estrangeiro.
Da formação dos primeiros tempos, exclusivamente no local de trabalho, evoluiu-se para a formação mista, na Escola de Formação da empresa e em regime laboral, mais rápida e mais estruturada, com excelentes resultados. Infelizmente, na W.S., apesar das tentativas constantes para retomar o funcionamento da Escola, não temos tido sucesso por falta de candidatos, o que é preocupante.
O recurso a imigrantes, como é pratica corrente em setores em que a mão de obra indiferenciada pode resolver o déficit de trabalhadores nacionais, é de difícil aplicação nesta atividade, onde são necessários profissionais como soldadores, montadores, mecânicos ou tubistas, que não temos encontrado na imigração.
Sobre a prática salarial. Remunera-se de acordo com as leis em vigor ou supera-se esses valores?
Na WS, praticamos uma política salarial que está acima da média nacional para o setor de atividade, superando os mínimos legais estipulados. Não temos nem contratamos ninguém pelo Salário Mínimo Nacional, é sempre por valores acima desse patamar.
Como se sente o ambiente social na WS. “Veste-se a camisola” e sente-se prazer por se trabalhar na Indústria Naval, como se verificava no tempo dos ENVC, ou este sentimento vem-se esbatendo?
Quem trabalha em navios é mordido por um bichinho que não desarma. É sempre com grande orgulho que os trabalhadores veem sair os navios fruto do seu trabalho. Embora já não seja tão frequente haver na empresa duas ou mesmo três gerações da mesma família, o que criava uma forte ligação sentimental, os trabalhadores atuais, quer os efetivos quer mesmo os dos subempreiteiros habituais, continuam, e cada vez mais à medida que os anos passam, a “vestir a camisola”.
Para terminar: Viana, no futuro, vai continuar a ser um baluarte da construção e reparação naval ou, da forma como o mercado internacional se apresenta, há razões para temer que assim não seja?
Vivemos numa época de grande imprevisibilidade, quer pela rápida evolução tecnológica, quer pelo posicionamento de muitos países emergentes, cada vez mais incluídos na economia global, que rapidamente alteram os pressupostos tidos como certos. Apesar disso, haverá sempre navios e necessidade de quem os construa e repare, e se se constroem em qualquer lugar, reparam-se, em regra, nas zonas onde operam, pelo que há confiança no futuro, o que levou os acionistas da W.S. a decidirem construir uma nova doca de maiores dimensões.