“Nas bibliotecas públicas mantém-se a prevalência da leitura em papel”

A Biblioteca Municipal de Viana do Castelo está situada junto ao rio Lima e assume a função de dinamizador cultural da região, promovendo o livro, mas também dinamizando outras atividades, como exposições, espaços de leitura e conversa com escritores.

O diretor daquele espaço enaltece o facto de ser um equipamento acessível a todos e reconhece o serviço público prestado ao disponibilizar acesso a mais de sete mil publicações jornalísticas, portuguesas e estrangeiras, através da plataforma PressReader.

Apesar de estar atento à presença digital na vida das pessoas, Rui Viana acredita que a leitura em formato de papel irá perdurar, assegurando que alguns estudos referem que a leitura no digital se torna mais superficial. (as duas formas estão corretas. Esta parece-me melhor)

A Biblioteca está instalada no atual edifício da Praça da Liberdade, desde janeiro de 2008, após muitos anos junto à Câmara Municipal. Em que medida isso beneficiou os utilizadores da mesma, nas atividades promovidas e no tipo de público que mais a frequenta?

O atual edifício, projetado pelo Arq.º Álvaro Siza Vieira, corresponde ao sexto espaço ocupado pela Biblioteca Municipal, depois de uma sala no Palácio dos Cunhas (1888) onde funcionou o Liceu Nacional aquando da sua criação, da sala das Comissões nos Antigos Paços do Concelho (1912), do Palácio dos Barbosa Maciel (1923) juntamente com o Museu Regional, do Palácio dos Alpuim (1966) e da Casa dos Monfalim (1989). No entanto, refira-se que a Biblioteca Municipal foi fundada a 16 de fevereiro de 1888, surgindo na sequência da proposta apresentada em sessão de Câmara pelo vereador Dr. José Malheiro Reymão, sendo presidente da Câmara Luís de Andrade e Sousa.

Mas, já agora uma curiosidade. Houve iniciativas anteriores a 1888 com o intuito de criar uma biblioteca que acabaram por não vingar. Uma delas foi em 1858, pensada a partir do que ainda restava das livrarias monásticas das extintas casas religiosas (na sequência do decreto de 1834 de Joaquim António de Aguiar), da iniciativa do ilustre vianense José Barbosa e Silva, que foi um dos proprietários e figura destacada deste jornal e amigo de Camilo Castelo Branco, com o objetivo de o colocar na sua direção.

Depois deste muito breve resumo histórico, que demonstra bem a preocupação que sempre houve por parte da Câmara Municipal ao longo do tempo em dotar a cidade e o concelho de uma Biblioteca com as melhores condições, para concluir a resposta à sua pergunta direi que de 20 de janeiro de 2008 até hoje, houve um salto qualitativo na oferta proporcionada aos vianenses tanto ao nível das instalações como dos serviços, verificando-se um aumento de utilizadores bastante significativo, e a nossa dinâmica tem-se pautado por pôr em prática os objetivos fundamentais inerentes a este equipamento cultural da Câmara Municipal e que se materializam na satisfação dos interesses da comunidade, sobretudo, no que diz respeito à promoção do gosto pelo livro e pela leitura. Em termos gerais podemos dizer que a Biblioteca Municipal de Viana do Castelo é um serviço público municipal, que tem por finalidade facilitar o acesso à cultura, à informação, à educação e ao lazer, contribuindo assim para elevar o nível cultural e a qualidade de vida dos cidadãos.

Frequentadores podem “usufruir livremente das ótimas instalações da Biblioteca Municipal e consultarem os documentos disponibilizados em livre acesso nas salas de leitura sem necessidade de qualquer inscrição”

Quais os serviços disponíveis para os utilizadores?

A Biblioteca Municipal disponibiliza aos seus utilizadores diversos serviços e, refira-se, todos gratuitos. Em primeiro lugar ressalta o facto de poderem usufruir livremente das ótimas instalações da Biblioteca Municipal e consultarem os documentos disponibilizados em livre acesso nas salas de leitura sem necessidade de qualquer inscrição. E, do conjunto dos serviços que presta, destaco o empréstimo domiciliário que permite a requisição para consulta em casa de livros, cd’s e dvd’s, empréstimo este que pode assumir também a vertente itinerante ao levar o livro e outros documentos à população das diferentes freguesias do concelho, a unidades industriais, a escolas, a associações e ao estabelecimento prisional. Outro serviço de grande interesse para os utilizadores é o acesso gratuito à internet nas salas de leitura através de wi-fi ou dos postos públicos existentes para o efeito. Aqui, gostaria de salientar o acesso gratuito a mais de sete mil jornais e revistas, nacionais e internacionais, através do telemóvel, bastando para isso descarregar a APP da aplicação PressReader através da qual é fornecido este serviço e que tem tido uma adesão significativa por parte dos utilizadores da Biblioteca. Outro serviço que a Biblioteca Municipal vem disponibilizando, há alguns anos, é o designado de Leitura Especial para invisuais e amblíopes que, assim, têm a oportunidade de, entre outras coisas, ler um livro e até a agenda cultural do Município. Os utilizadores deste serviço podem, assim, consultar os fundos documentais em Braille, digitais ou áudio no local ou fazê-lo por correspondência. E, de uma forma geral, os utilizadores podem ter acesso às atividades de animação dirigidas sobretudo ao público infanto-juvenil no âmbito da animação da leitura como a Hora do conto, e a diversas atividades de extensão cultural para o público adulto como exposições, conferências, colóquios, lançamento de livros etc.

“É possível aos invisuais e amblíopes consultar os fundos documentais em Braille, digitais ou áudio no local ou fazê-lo por correspondência” 

Quantos leitores estão registados na Biblioteca?

Neste momento temos 23 mil leitores registados/inscritos e que podem usufruir de todos os serviços da Biblioteca. No entanto, diariamente é frequentada por muitos que não estão inscritos e, só para termos uma ideia, anualmente o número de utilizadores que acedem à Biblioteca situa-se na ordem dos 110 mil, número que decaiu mais de 50% nos últimos dois anos devido às limitações e constrangimentos provocados pela pandemia.

De quantos livros dispõe? De todas as áreas?

A Biblioteca Municipal tem disponível no seu catálogo informático e devidamente tratados 140 mil documentos para consulta. No entanto, existem obras pertencentes a fundos particulares e a outras coleções que estão em fase de tratamento informático e, por isso, não estão aí contabilizadas. Como se trata de uma biblioteca pública, o seu acervo contempla todas as áreas do conhecimento, no entanto, a literatura mantém uma prevalência relativamente a outros temas.

“Muitas vezes, os doadores não compreendem a rejeição por parte das bibliotecas de documentos que se propõem oferecer, mas os custos inerentes à sua conservação ditam o estabelecimento de critérios claros para que tal aconteça”

Sabemos que várias pessoas entregam bibliotecas particulares. Como se processam estas doações?

A doação de fundos documentais de particulares ou até de instituições é de grande importância para a constituição das coleções das bibliotecas. No entanto, estas devem desenvolver uma política clara no que diz respeito à aceitação de fundos para enriquecimento das suas coleções, necessitando os doadores de conhecer antecipadamente o que é pertinente e interessa às bibliotecas.

É imprescindível conhecer com pormenor os documentos a oferecer para se decidir se estes se enquadram nas coleções da biblioteca. Genericamente, documentos (livros e outros) em mau estado de conservação física ou com informação obsoleta não devem fazer parte das ofertas. Devem excluir-se, igualmente, documentos em suportes hoje em dia obsoletos, a cuja informação já com muita dificuldade se consegue aceder (cassetes VHS, cassetes áudio, disquetes, etc.), livros técnicos e especializados editados há mais de 10 anos e informação em fotocópia. As Bibliotecas também não aceitam doações de documentos multimédia desatualizados, manuais escolares, periódicos correntes e obras de referência como dicionários e enciclopédias.

Muitas vezes, os doadores não compreendem a rejeição por parte das bibliotecas de documentos que se propõem oferecer, mas os custos inerentes à sua conservação ditam o estabelecimento de critérios claros para que tal aconteça.

Qual foi a mais surpreendente, pela raridade dos exemplares entregues?

Podemos dizer que existem fundos particulares com documentos de grande interesse patrimonial. No entanto, a título de exemplo, eu gostava de destacar aqui duas obras de épocas diferentes pelo interesse que despertam. A primeira, trata-se de uma raridade bibliográfica intitulada Vida de Dom Frei Bertolamev dos Martyres…, da autoria de Frei Luís de Sousa, cuja primeira edição possui a particularidade de ter sido impressa em Viana, em 1619, à custa da Câmara como se pode ler no frontispício da obra. Dada a inexistência nesta data de tipografia em Viana convém referir que para a impressão desta obra não veio só o impressor com os seus prelos, mas o próprio autor se deslocou expressamente do Convento de S. Domingos de Benfica para assistir aos trabalhos tipográficos. Esta edição, hoje rara e de inquestionável valor bibliográfico, corresponde à primeira obra impressa em Viana. O seu autor é o escritor português Manuel de Sousa Coutinho, que ficou conhecido na literatura portuguesa por Frei Luís de Sousa, nome que tomou ao professar na Ordem de S. Domingos e que adquiriu fama devido ao facto de Almeida Garrett o ter dado como título ao drama composto em 1884. De inegável valor patrimonial, um exemplar da primeira edição desta obra, que retrata a vida do santo arcebispo de Braga que escolheu a cidade de Viana para aqui construir o Convento de Santa Cruz (S. Domingos) e aí passar o resto da sua vida, faz parte do fundo bibliográfico da Biblioteca Municipal e, por isso, é motivo de que nos podemos orgulhar.

Outra raridade é a primeira edição de 1892 do livro de poemas Só, da autoria do escritor António Nobre, que possui a particularidade de ter uma dedicatória ao seu amigo e contemporâneo vianense João da Rocha, conhecido pelo cognome de Frei, assinada em Paris quando do seu exílio, e que constitui um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX.  

Como surgiu a ideia de proporcionar exposições de artistas gráficos, uma iniciativa que vem revelando muita simpatia, especialmente pelos artistas expostos? Vai continuar no futuro, como aposta bem-sucedida?

Em maio de 2013 iniciámos, ainda timidamente e a título experimental, a primeira exposição sobre ilustração e, logo concluímos que estava achado o formato para, a partir daí, desenvolvermos um ciclo de exposições temáticas sobre a obra gráfica de artistas, até porque não conhecíamos ninguém que o fizesse e seriam exposições muito ligadas ao livro e à ilustração. Assim, privilegiando sobretudo a obra de um artista convidado, de reconhecido valor, publicada em livros, revistas, jornais e objetos, por editoras e instituições nacionais e estrangeiras, temos trazido a Viana do Castelo muito do que podemos considerar como a excelência da ilustração portuguesa e temos dado a conhecer alguns dos autores contemporâneos mais respeitados nesta área das artes visuais, também muito graças à preciosa colaboração do artista e pintor Tiago Manuel, na sua direção artística e coordenação. A realização deste ciclo expositivo, que conta com 17 exposições já realizadas, é uma aposta cultural importante da Câmara Municipal de Viana do Castelo, que deverá manter-se atendendo ao enorme interesse que tem despertado. Através dele, pretende-se fomentar no público um firme conhecimento na área da ilustração e despertar maior interesse pelas artes visuais. Divulgar a ilustração portuguesa, promover os artistas e construir novos leitores, são as premissas essenciais em que assenta esta iniciativa.

No hall do edifício também têm funcionado pequenas exposições temáticas. Lembrámo-nos da exposição da história da Biblioteca, de muito interesse. Vão continuar, mesmo que esporadicamente?

Estas exposições, que de vez em quando se realizam no hall de entrada, são cada vez mais esporádicas porque não podem interferir com o que aí acontece. Apesar de ser um espaço amplo, é sobretudo uma zona de acolhimento e de circulação de pessoas e, assim sendo, nem todas as exposições, quer pela sua dimensão quer pelos materiais necessários para a sua montagem, se adaptam às características do local. Por isso, só mesmo pequenas exposições de divulgação e que não conflituem com o que normalmente aí ocorre.

“Iniciativa À Conversa… deverá ser retomada em breve”

Quais as iniciativas e eventos mais importantes onde a Biblioteca foi parceira/organizadora?

Das muitas iniciativas e, para não me alongar, falaria de uma atividade regular de animação do livro e da leitura designada de Sábado com histórias, desenvolvida pelos Serviços Educativos da Biblioteca, em que as crianças são convidadas a entrar no mundo da fantasia a partir da leitura ou dramatização de uma história com livros, objetos, fantoches, música, estimulando-as para a descoberta do prazer de ler. Lembro, também, a atividade “À conversa com…,” realizada em torno do livro para incentivar a leitura, divulgar as obras dos autores da atualidade e fomentar a interação entre o público leitor e os escritores. Com uma periodicidade mensal, este projeto teve início em outubro de 2009 e manteve-se de uma forma ininterrupta até novembro de 2019, tendo sido suspenso devido à pandemia. Por estas conversas passaram muitos escritores portugueses que falaram das suas obras e dialogaram com o público. Foram 91 sessões a que assistiram cerca de sete mil pessoas. O grande impacto que teve na comunidade leva-nos a pensar em retomar esta iniciativa, embora com ligeiras alterações, logo que estejam reunidas as condições. “Contornos da Palavra” é o nome dado a outra atividade que decorre na Biblioteca Municipal e nas escolas do concelho dedicada essencialmente à leitura infanto-juvenil, que já vai na sua 13.ª edição, dirigida a educadores de infância, professores do ensino básico e secundário, professores bibliotecários, professores de educação especial e todos os interessados em pedagogia da leitura, mediadores da leitura e animadores socioculturais.

Pela vivência que tem com o público leitor, o que pensa do futuro do livro? Dizem que está em declínio, particularmente, por culpa da Internet e das redes sociais, concorda?

Tive a oportunidade de, ainda há relativamente pouco tempo, ter escrito um artigo para um jornal onde afirmava que nas bibliotecas públicas mantêm-se a prevalência da leitura em papel, apesar dos diversos dispositivos eletrónicos, desde os computadores e telemóveis aos e-readers, tablets e outros, serem utilizados cada vez mais para ler, verificando-se também uma certa complementaridade na leitura através dos dois suportes (papel e eletrónico) nas bibliotecas, muito por causa da facilidade de acesso à leitura e à informação que é proporcionada nestes espaços e que vai muito para além do livro impresso. Se é certo que a leitura em papel de certas obras de referência como são o caso das enciclopédias perdeu terreno para a leitura no ecrã, também sabemos que a preferência pelo papel é superior, porque a compreensão é maior quando se lê em papel, ao contrário do que acontece quando o mesmo é lido em ecrãs. A esta conclusão chegou um estudo publicado em finais de 2018, desenvolvido por cientistas da Universidade de Valência (Espanha) e do Instituto de Tecnologia de Haifa (Israel), e que vai mais longe ao referir que as pessoas quando leem em suporte digital assumem um processamento mais superficial e que há uma inferioridade dos ecrãs, com resultados de menor eficácia de compreensão de leitura nos textos digitais quando comparados com os textos em papel.

É certo também, segundo os investigadores, que a leitura de um romance ou poesia em suporte digital não sofre qualquer alteração na interpretação e pouca importância tem se a mesma se faz por meio de um dispositivo eletrónico ou em papel porque se trata de uma linguagem mais próxima da que utilizamos no dia-a-dia e, consequentemente, menos técnica. Já o mesmo não acontece quando o conteúdo informativo dos textos é mais complexo e mais técnico exigindo maior atenção na análise do vocabulário. Para os investigadores também não é pelo facto de os mais jovens estarem habituados aos ecrãs que a compreensão é maior.

A evolução tecnológica, no que diz respeito aos dispositivos de leitura eletrónica e aos conteúdos digitais, está a alterar a forma como as pessoas se relacionam com o livro e com a informação. Naturalmente que a tecnologia de leitura eletrónica e a informação hoje existentes estão a provocar alterações no mercado editorial e nas próprias bibliotecas públicas. Mesmo assim, penso que há evidências quanto à prevalência do livro enquanto formato privilegiado de leitura, embora, seja certo, que iremos manter este momento híbrido caracterizado pela convivência de formatos e de suportes de leitura diferentes.  

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