Escrevi no ano passado que nas últimas décadas a maioria dos cartazes das Festas da Agonia «replicam um modelo previsível de lavradeiras bonitinhas e imagens da cidade que se começaram a tornar repetitivos. Tantas décadas depois, num novo século, com tantos recursos digitais e com tantos bancos de imagens disponíveis online, espera-se maior arrojo e originalidade dos criadores».
As Festas da Romaria da Agonia de Viana do Castelo, além de serem as mais importantes do país, são já conhecidas no mundo inteiro. Globalizaram-se. E, tendo em conta o número crescente de estrangeiros a viver na cidade, é garantido que este ano vai ser batido o recorde de nacionalidades presentes na Festa. O Campo da Agonia vai transformar-se numa Torre de Babel, tantas as línguas que serão faladas. Além disso, como o Departamento de Defesa dos EUA já praticamente admitiu que estamos a ser visitados por extraterrestres, ninguém se admire se também eles, do alto das suas naves, quiserem participar da Festa. Afinal, não devem ter nada parecido lá nos seus planetas.
Como tal, gostaria de ver cartazes radicalmente diferentes – de outras galáxias.
O cartaz vencedor deste ano, da autoria de Sónia Moreira e Hugo de Sousa, revela profissionalismo, mas pouca inovação. Sob um fundo brumoso que faz lembrar o nevoeiro vindo do mar, constituído pelos elementos associados à Festa – a Praça da República, os Cabeçudos, os Zés-Pereiras, a Senhora da Agonia e o barco da sua procissão ao mar – emerge luminosa uma lavradeira sorridente. O branco das margens destaca-a e confere-lhe uma aura de pureza, embora, ao mesmo tempo, torne fria a imagem – desse modo a afastando do sentimento de alegria e festividade pretendido. Perdido o calor da Festa, o mais interessante no cartaz é a alusão às ondas na parte inferior e o tratamento das letras, sobretudo na palavra Agosto.
Entre os finalistas, havia propostas mais arrojadas: Ana Evtuchenko, Afonso Nunes, Catarina Carvalho, Ariane da Rocha, Nuria Balinha, Roxa Portela e versão Pop de Ana Monteiro tentaram fugir ao padrão que cristalizou a lavradeira bonitinha inserida sob um fundo com o cenário da cidade.
Ou seja, não só é possível transfigurar os elementos visuais associados à Festa da Agonia – como fez Evtuchenko – como ainda se pode criar um cartaz sem nenhum destes elementos – como fez Portela – sem que o espírito da Romaria se perca. Claro que um cartaz sem a lavradeira e a Praça da República, ou com uma lavradeira em cima de uma prancha de surf, não iria decerto ser consensual. Nortadas de críticas ventariam. Mas, pelo que tenho visto nas redes sociais, os remoques à falta de originalidade predominante têm aumentado. Demais, não há nenhuma rutura de paradigma estético que não gere polémica. E esta, dentro das regras de civismo, é sempre preferível à pasmaceira.
Defendo, pois, que Viana do Castelo devia assumir o risco e apresentar novos cartazes das Festas da Agonia, radicalmente diferentes, que projetem uma imagem de modernidade. É preciso conhecer o passado para definir o rumo do futuro, mas esta trajetória deve ser ascendente e não circular.
João Cerqueira