“O que pode ser lixo para uns pode ser tesouro para outros”

O núcleo Ephemera de Viana do Castelo completou cinco anos em março. Isabel Campos é uma das voluntárias e falou-nos do trabalho deste período, destacando a execução de exposições, apesar deste ano não terem nenhuma agendada.

A Associação Empresarial cedeu-lhes um espaço e o café Girassol é o ponto de encontro de todos. Nesse sentido, a última exposição que organizaram teve este espaço como mote e cenário. Outras iniciativas já estão a ser planeadas, e quem quiser pode juntar-se ao grupo, tendo como premissa a vontade em colaborar e resgatar material que de outra forma ia para o lixo.

Quando é que surgiu o núcleo da Ephemera de Viana?

Eu já conhecia o Dr. Pacheco Pereira por causa do blogue dele, o Abrupto, e ia seguindo o que ele escrevia. Quando aconteceram as manifestações contra a privatização dos estaleiros, ele fez um apelo e eu mandei fotografias e os materiais que foram produzidos. Entretanto, veio a Viana e já não sei porquê falei com ele e disse-lhe que gostava de o ajudar, e ele disse: “então porque não cria um núcleo cá em Viana?” Deixei de dar aulas (eu dei aulas durante 38 anos) e começamos a pensar num sítio para nos reunirmos, e eu pensei que este sítio [café Girassol] era o ideal. O mais difícil, que não foi difícil, foi onde guardar o material. E a Associação Empresarial cedeu-nos uma sala. São oito fixos e mais três que nos ajudam bastante. E nesse grupo fazem parte pessoas que ainda estão a trabalhar, ou que já estão reformadas. Normalmente à terça-feira juntamo-nos e vamos fazer o que é necessário.

Mas em que ano iniciou?

Foi em março de 2017. 

E qual foi a motivação para esta constituição?

A Ephemera faz um trabalho notável. Preservar os documentos mais antigos é essencial. Em 2017, fizemos uma exposição sobre as autarquias, e constatámos que os partidos não têm nada. Vai tudo para o lixo. Não são todos, mas a maioria não guarda os materiais. Portanto, foram particulares que nos emprestaram os materiais. 

Há pouca consciência em preservar documentos.

Nós fotografamos todas as campanhas. Recolhemos materiais nas freguesias e temos muitos amigos que nos mandam materiais das zonas onde residem. Eu posso dizer também que quando vamos sair, temos a preocupação de fazer fotografias. Por exemplo, temos fotografias das campanhas eleitorais do Egipto, da Noruega, de França, de Inglaterra, de Espanha, sobretudo da zona da Galiza. Também tiramos umas fotografias de graffitis que contenham alguma mensagem política. E é preciso fazer essa recolha. Mas nós fazemos recolha das coisas mais incríveis que eu já vi. Por exemplo, um santinho, para que serve um santinho? O santinho define uma época, pois tem um design gráfico, tem uma mensagem. Nós temos milhares de santinhos. Por exemplo, para a construção do Cristo Rei em Lisboa foram feitas umas pagelas numeradas com orações ao Sagrado Coração, isso tem imenso interesse. Aqueles santinhos da comunhão, aquelas pagelas quando alguém morre, nós guardamos tudo. São documentos históricos. Nós temos grandes espólios que se vão guardando. 

E as pessoas entregam-vos muitos documentos?

A Ephemera tem coisas fabulosas. No começo da pandemia tivemos a doação de um espólio maravilhoso. Eram pessoas aqui de Viana, já com muita idade e que nos entregaram materiais… Por exemplo, uma coisa que a Ephemera gosta muito é de livros de curso, porque esses livros vão falar-nos de uma série de pessoas, conhecidas ou não.  O livro que nos chegou neste espólio tinha muita publicidade farmacêutica, muito interessante, dos anos 60 e até mesmo uma revista. Há uns tempos também encontrei, numa casa de família, uma folha interessante, que explicava como se fazia uma camisola para as tropas inglesas. São essas pequenas coisas que as pessoas deitam fora.

E vocês guardam…

Como diz o Dr. Pacheco Pereira, o grande inimigo da Ephemera são três coisas: a morte, os divórcios e a mudança de casa. Porque é quando uma pessoa quer desfazer-se de tudo e o mais depressa possível. E o que acontece muitas vezes é que as pessoas também não sabem o que fazer àqueles materiais e não valorizam. Às vezes pensam “isto não interessa para nada”, mas para nós interessa muito. Por exemplo, nesta casa aqui perto, há uns dias, vi uns sacos pretos de lixo, e esses sacos foram todos para a nossa sala da Associação Empresarial e estivemos a mexer e a ver o que interessava. Tinha coisas muito interessantes, um calendário dos anos 60, do Sá de Miranda, com um plano da sala…

O espaço que tem na Associação Empresarial deve ser pequeno para o material que recebem.

De vez em quando, uma ou duas vezes por ano, enviámos o material para Lisboa. O que achamos que deve ficar em Viana, fica. Há algumas coisas que ficam no Arquivo Municipal e outras vão para a Biblioteca. Mas perguntamos sempre à pessoa, que fez a doação, se podem ser cedidos a outras instituições. 

E qual a razão para irem para essas instituições?

Por exemplo, o último documento que foi entregue à Biblioteca foi um jornal de Ponte de Lima. Há um ano e tal recebemos o espólio de um antigo governador civil, e tudo o que era muito importante para Viana, por exemplo, a inauguração dos CTT de Darque, ficou no Arquivo Municipal. A Ephemera já tem 13 armazéns enormes, além das casas na Marmeleira. 

Isso é um investimento grande.

É um investimento grande, mas assim nada se perde… Às vezes oferecem livros que não têm muito interesse para nós, mas ficamos com tudo, porque dentro deles pode ter alguma informação. As revistas de “modas e bordados” vamos dizer assim, dos anos 50, 60, etc.,  têm artigos que retratam os tempos daquela época… Nós só temos pena que não podemos estar a ver tudo… 

Desde 2017 o que já fizeram em Viana? 

Já fizemos exposições. Na primeira mostramos como foram as eleições de 75. Foi muito interessante… E vou-lhe dizer a propaganda eleitoral daquela altura e de agora é abismal. Parece outro país.

As exposições guiam-se por um tema?

Sim, normalmente sim. Ainda nessa exposição, houve um senhor que foi lá e quis fazer uma doação. Doou uma coleção fantástica de pins, principalmente da União Soviética. De todos os partidos. E essa coleção foi exposta em 2018. O Dr. Pacheco Pereira diz que foi a melhor coleção de pins que viu. E agora está num dos armazéns e pode ser vista. 

Que outras exposições fizeram?

Também em 2018, fizemos uma exposição sobre as lojas de Viana com mais de 40 anos, designada de “Firmas na tradição vianense”. Em 2019, fizemos a “Viana de outrora, Viana de agora”, com fotografias do Arquivo Municipal e também de postais de colecionadores. Mostramos o antes e o agora. Esta exposição tinha uma parte muito gira, que contou com a colaboração de um amigo, arquiteto, sobre o antigo mercado em 3D. E ainda o projeto do novo e foi muito concorrida.  Esta exposição teve 2500 visitantes. Em 2020, fizemos sobre os 90 anos do Café Girassol. Além da exposição, tivemos duas palestras, uma sobre o café e outra sobre o Girassol.

E onde fazem as exposições?

As exposições acontecem no Antigos Paços do Concelho, sempre com colaboração da Câmara, nisso não há grandes problemas. Estas são as ações que dão mais visibilidade ao núcelo local. 

Consegue destacar algum do material que já recolheram?

Não é difícil, porque realmente os espólios que recebemos de um antigo governador civil e a coleção de pins foram muito interessantes. É material muito significativo não só para Viana, mas para o resto do país. As coisas mais pequenas que nos oferecem são muito significativas. O que pode ser lixo para uns pode ser um tesouro para outros. É esse o lema. Para nós nada é lixo.

Como é que as pessoas podem chegar até à Ephemera?

Se quiserem ajudar a Associação Cultural Ephemera podem ser sócios, a partir de 5 € por mês. E isso é para transportes, água, luz e para a compra de alguns materiais, etc. Mas também podem ser voluntários. Há cerca de 150 no país. 

Em Viana o núcleo duro é constituído por quem?

São a Maria Olinda Parra (Mili), Isabel Carvalho, a Luísa Freitas Rosa, José Manuel Cristino, António Novo, José Escaleira, Laureano Freixo, Jorge Couto e eu (Isabel Campos). Depois para exposições contamos com a ajuda, na parte gráfica, do Carlos da Torre. A montar as exposições com o Carlos Vieira, e para tirar fotografias a Rita Arantes. Estas pessoas é que estão a sustentar o núcleo, conforme podem e consoante a disponibilidade. 

Estão abertos a mais colaborações?

Sim. Aliás, quem quiser pode ajudar-nos nas digitalizações dos documentos. E podem fazer em casa, à hora que quiser, ou então tirar fotografias. Recentemente recebemos uma coleção de cartazes da AO NORTE, que gostávamos de fotografar antes de enviar para Lisboa. E as pessoas podem perfeitamente trabalhar e fazer isso.

Recentemente também fizeram um trabalho de recolha de jornais no “A Aurora do Lima”. 

 A ideia foi minha, mas nunca me passou pela cabeça que iriamos ter tanto trabalho. Nós fomos em novembro e acabamos em março, à volta de três a cinco pessoas, duas vezes por semana. Infelizmente, só conseguimos uma coleção completa, que ficou para o jornal. Depois resgatamos alguns exemplares soltos. Uns ficam para a Ephemera, outros para o jornal, e outros para a Biblioteca. Acredito que haja mais material que faça parte da história do jornal e que mereça ser recuperado.

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