Os pardais e as lavandiscas

Hoje, nos campos agrícolas, que ainda restam neste Vale do Neiva, quase não se veem os pardais e as lavandiscas, outrora anunciadores, ao clarear de cada dia de primavera, com o seu característico canto, que mais não era, que um piar alegre, em cada manhã que raiava.

Recordo, ainda, que na minha infância vivida no então lugar do Forno, da freguesia de Capareiros, hoje Barroselas, ouvir ali perto, nos campos da Ínsua, os jornaleiros do tio António Ventura, então o maior lavrador da freguesia, ou do outro lado do rio Neiva, na Agra de Tregosa, os jornaleiros e criados do senhor Fernando Amorim, cantarem lindas melodias populares, felizmente, e em boa hora, recolhidas em Barroselas, pelo Grupo Folclórico de S. Paulo da Cruz e em Tregosa, pelo Rancho Folclórico de Tregosa.

Mas voltemos aos pardais e às andorinhas. Os pardais, no verão e na primavera, ninguém os via ou sentia, porque eles se entretinham a buscar alimento e a construir os seus ninhos, nas árvores dos campos. No inverno, numa espécie de hibernação, de noite refugiam-se nas medas de palha de milho, que os lavradores “encadouçavam”, era este o termo usado, à volta da haste de pinheiro, metida na terra. Eram enlaçados os molhos de palha, depois de retiradas as espigas para formar uma meda de três metros de altura. No inverno eram usadas, para alimento dos animais, que devido à invernia não podiam ia para os pastos.

NOITES DE LUAR
Era pois por essa época, que, em nossa casa no lugar do Forno, nas noites de luar ouvia o pregão, bradado em alto e bom som pelos criados e jornaleiros do tio António Ventura “pardais? pardais?”, e toda a gente sabia que as suas medas iam ser cercadas por uma rede de fina malha, suspensa em duas varas, que envolvia a meda, e batida com outra vara, para afugentar as aves do seu sono, que ficavam presas nas malhas, e logo as mãos dos predadores, lhe estrangulavam o pescoço e metiam-nos num saco. Nada noite do dia seguinte, a tarefa daquela gente era depenar as aves, extraindo-lhes as vísceras, mas os corações e os fígados eram aproveitados para preparar o pitéu com pimenta, colorau, sal e alhos e ficava a “compor”, era o termo, para o jantar (ao meio dia) ou à ceia (à noite) do domingo seguinte. Todos se regalavam com o pitéu, preparado pela cozinheira da casa, a senhora Maria. Esta confraternização, contava também com a presença dos patrões, o tio António Ventura e a esposa, a senhora Marquinhas do Cano e dos filhos, que eram 14, em perfeita reunião familiar.

LAVANDISCAS
Quanto às lavandiscas, uma ave de arribação, que nos visitavam na primavera, que hoje já ninguém vê. Não tinham tão trágica sorte, porque eram as prediletas dos lavradores, que se regozijavam em vê-las saltitar, agitando repetidamente a cauda em ritmo frenético vertical, sobre cada leiva que o arado virava, à cata de minhocas e outros insetos, que se escondiam sob a terra inculta. Por isso acompanhavam, de perto, os lavradores que seguravam as rabiças dos arados, a uma distância de menos de um metro, o que parecia uma demonstração de confiança, e os lavradores tinham-nas em conta, como uma aura de amizade.

Hoje ninguém por estas terras vê estas aves. Os jovens de hoje não as conhecem, por isso aqui fica esta recordação.

Coisa de um passado, sem retorno.

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