Prédio Coutinho: o fruto amargo da inveja (III)

Esta questão do prédio é importante para os vianenses, para os contribuintes e para os investidores. Segundo é conhecido por estatísticas, os portugueses estão nos primeiros lugares em matéria de propriedade urbana, isto é, os portugueses preferem ter a sua própria habitação do que recorrer ao aluguer. Mesmo quando vivem e trabalham no estrangeiro, muito poucos serão os que não constroem ou compram ou conservam uma casa de família em Portugal. E, normalmente, trata-se de uma casa sólida, em granito ou outros materiais maciços. Essa particularidade já vem do tempo da emigração para o Brasil e que deu origem à típica casa de brasileiro, que se distinguia, altiva, nas aldeias de Portugal e em todas as cidades. Depois destes, sobretudo nas nossas localidades, até à mais longínqua, estão semeadas as casas dos “franceses”, típicas, de águas elevadas e telhado preto.

Essa singularidade portuguesa teve origem, muito provavelmente, no facto histórico de, em séculos passados, só os fidalgos ou ricos-homens exibirem, ao lado do nome de família, o título nobiliárquico e a referência à residência, à casa de família (casa da Cracaveira, da família Mimoso, ou o Solar dos Malheiros, por exemplo). Modernamente, o patriarca ou matriarca de uma família, por mais modesta que seja, tem orgulho em possuir uma casa que serve para acomodar, em certas alturas do ano (férias, natal e ano novo, páscoa e aniversários) toda a prole. Os avós ficam especialmente felizes nessas ocasiões e as crianças, quando chegadas à madureza, jamais esquecerão esses momentos de extraordinária alegria e felicidade. A casa e o lar são o centro do mundo!

Para a grande parte das pessoas, este investimento foi o único grande investimento da sua vida, e essa realização pessoal é, muitas vezes, a construção do ninho, dum lar, tão amado como um filho. Não admira, pois, que a Constituição da República, de 1976, tenha deixado no seu texto (já citado na crónica anterior) o sentimento geral do povo português e as claras garantias sobre a habitação, urbanismo, direito de propriedade e justa indemnização por expropriação. Sinceramente, nunca li, até ao momento, uma linha das leis ou qualquer outro normativo ou regulamento sobre tão importante matéria, mas presumo que todo esse edifício jurídico seja indubitavelmente constitucional.

Embora os sentimentos de ódio e concomitante inveja estejam, quanto a mim, na base de toda a trapalhada do “prédio Coutinho” (pois recuso-me a acreditar que o argumento da estética seja uma razão social ou juridicamente relevante, quando num simples passeio domingueiro por essas aldeias e até cidades, ou até por imagens televisíveis, seja fácil reparar nos pardieiros e edificações de mau gosto que pelo nosso querido Portugal abundam – mas os gostos e as cores não se discutem) estou em crer que as lutas de interesses ou primazias de classe entre os clãs de arquitetos terão sido importantes nesta tão falada guerra do bota-abaixo.

Sendo inquestionavelmente legal o prédio Coutinho porque, se o não fosse, não se entenderia que a primeira Câmara do pós-25 de Abril, depois de manifestar clara vontade de demolir o total ou parte do referido prédio, não tenha contestado em tribunal a legalidade do mesmo, uma vez que, só em 1976 (desconheço o mês), estava pronto, tendo sido a família de Marçal Teixeira a primeira moradora.

Aqui chegados, temos de sublinhar que Viana do Castelo, cidade sobretudo, apresenta uma grave carência habitacional, não só para compra e venda como para arrendamento. A juventude (com precariedade de emprego e baixos salários) e as famílias de poucos recursos não conseguem fixar-se em Viana do Castelo, pelas óbvias razões de mercado: preços altos no aluguer e ainda pior na compra. Há que pensar nisso, e essa tarefa cabe particularmente à autarquia, com acertadas decisões: captação de investimento privado e rapidez processual (o tempo de a autarquia ter o papel único de fiscalizador e, às vezes, perseguidor, é filosofia de antanho). Além do mais, e por causa desta questão do prédio Coutinho e do célebre Mercado, esta secular instituição tem de fazer esquecer o rótulo de “troca-tintas”, pois, em menos de duas décadas, demoliu, vendeu, autorizou, desautorizou, perseguiu, planeou, quer demolir e construir a mesma coisa no mesmo espaço. Tudo isso com o sacrifício de muitos.
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