Rituais do Entrudo repetem-se no Alto Minho

A festa cíclica do Carnaval está presente no meio rural e urbano. Porém, é nas comunidades tradicionais que o encontramos mais genuíno, projetando-nos na ancestralidade, na memória coletiva e no inconsciente cultural.

O Entrudo é festa da abundância: “Ruge o pote e o prato”; “Haja vinho na caneca e porco na salgadeira”; “O Entrudo é comilão, se queres saber ao certo dá-me carne, vinho e pão”. “Alegria Alegrote, que está o rabo do porco no pote”.

Ainda se ouve: “No carnaval ninguém leva a mal; é o tempo da borga”. “O poder aqui não manda”.

Os festejos carnavalescos encerram rituais cósmicos, de inversão, de ostentação e fertilidade.

CATARSE COLETIVA

O Carnaval é uma festa de todos, dos simples e dos pobres.

Uma boa oportunidade para os sisudos se extroverterem e para os grupos realizarem uma “catarse coletiva”, esquecendo o quotidiano que esmaga para reinar a alegria, com “rituais cósmicos, de inversão, ostentação e fertilidade”, reafirmando a identidade coletiva, conforme diz o antropólogo Joan Prat.

O ENTERRO DO PAI VELHO
As festividades carnavalescas no Lindoso, aldeia do concelho da Ponte da Barca, celebrizada pela sua história e respetiva barragem premiada, revestem-se de particularidades, que lhes concedem características do Carnaval da tradição portuguesa.

Os octogenários, eles e elas, são pontos de referência obrigatória, para ajuizar se tudo está a ser preparado conforme a tradição. Existe uma sabedoria estratégica que passa pela escolha dos carros de tração animal, do gado, pelo jogo das campainhas, pelos jugos, pelos enfeites, pelas cantigas, pelos tocadores de concertina, pelo horário dos cortejos, pelo trajeto definido, pelos bailes, pelas dádivas comestíveis durante os desfiles, pelos “barredouros”, pelos disfarces, pela choradeira na queima do Pai Velho, pelo testamento onde constam as ofertas do falecido, pelas referências de índole social e pela ocultação da escultura simbólica, como autêntico “churinga” de povos australianos.

As festividades do Enterro do Pai Velho, que “apesar de não ter festeiros, sempre tem festa”, são consideradas as mais típicas da povoação, e podemos dizer, únicas no norte do país.

Trata-se de uma vivência ancestral, que contribui expressivamente para a “coesão social da aldeia”, e para revigorar a identidade coletiva de uma povoação histórica e tradicional, que mantém vivências comunitárias.

O cortejo, para além de outros elementos, é constituído por carros adornados, “simbólicos e chiadouros”, puxados pelo melhor gado da aldeia, belamente engalanado, sendo um deles o do “Pai Velho”, e o outro o “Carro das Ervas”.

O largo junto do Castelo do Lindoso, mesmo ao lado do conjunto dos espigueiros e a eira comum, é o espaço privilegiado onde se desenrolam as importantes cerimónias anuais de transição, do ciclo do inverno, frio e estéril, para o ciclo da primavera, mais quente e fértil, e que fazem parte do “inconsciente coletivo”.

Se pretendermos estabelecer uma rota dos cerimoniais carnavalescos, para além do Enterro do Pai Velho, teríamos que participar, também, na Dança dos Carpinteiros, na freguesia de Gandra, e nas Mecadas de Verdoejo, do concelho de Valença.
Esta trilogia constitui o Entrudo do Alto-Minho.

José Lima

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